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Reticências, traços, reticências

Todos os dias somos confrontados com SOS’s, ...

Dois conjuntos de reticências separados por um conjunto de três traços (...---...) é o sinal de SOS em linguagem Morse e SOS é o sinal internacional de pedido de socorro.

As reticências são um sinal de pontuação que indica uma atitude de hesitação ou de reserva em relação a algo. Marcam suspensão de uma frase devido, muitas vezes, a elementos de natureza emocional ou a terminar uma frase deixam um pouco à imaginação de cada um o final que poderia ter essa afirmação...

No entanto, se separadas por um conjunto de três traços, deixam de ser pontuação de suspensão de frase e passam a transmitir uma emoção muito diferente, a da aflição premente, do pedido de ajuda, da necessidade de ....

Da necessidade de...

Da necessidade de ajuda!

Da necessidade de compreensão!

Da necessidade solidariedade!

Da necessidade de carinho!

Da necessidade de tudo o que quisermos que seja bom para que a vida seja mais suportável em época de carência, material ou emocional.

Vimos isso mesmo, mesmo que sem pedido formal de ajuda, mesmo sem SOS escrito, naquele gesto de extrema necessidade, naquele jogar fora num qualquer contentor uma vida gerada sabe-se lá com que dificuldades, sabe-se lá com que dor.

Não me é possível imaginar a dor que uma mulher sente ao abandonar o filho a uma qualquer intempérie que o leve, mesmo que meses atrás tenha equacionado interromper a sua gestação sem o ter conseguido por falência económica ou por falência da sociedade que a deixou sem abrigo ou sem possibilidade de o ter!

Uma criança abandonada

(não este, mas todos os que o são sem qualquer alarido mediático a dar-lhes a sorte de poderem ter a atenção que de outra forma a sociedade não lhes prestaria...)

é um sinal de falência de uma sociedade cada vez mais ensimesmada, falha de valores que se vão reduzindo cada vez mais ao politicamente correcto, esquecendo as franjas marginais que tantas vezes o são, não por vontade própria, mas por vontade da própria sociedade que os marginalizou.

Todos os dias somos onfrontados com SOS’s, directos ou indirectos (um pobre pedindo esmola no meio do passeio é uma forma de pedir socorro a quem passa, de dizer que também está aqui, que também poderia ter uma vida diferente se... a estes três pontos se juntassem mais três com três traços a meio)

e todos os dias olhamos para o lado como forma de atenuar a culpa que não sendo particularmente nossa, o é da sociedade na qual estamos inseridos.

Estas situações, estes pedidos de SOS não são de fácil resolução, têm muitas variáveis às quais são pedidas soluções que muitas vezes não existem e têm de ser criadas, mas são situações que quando se apresentam de uma forma extrema como foi este SOS lançado por uma Mãe que abandona o Filho, exigem de todos nós enquanto sociedade uma introspecção que vá além das meras opções políticas que garantem aos seus autores a “satisfação” do ser politicamente correcto.

Não tenho a veleidade de saber como lidar com estes casos de pedido de socorro, mas também não quero deixar de participar da forma que me é possível (escrever no espaço que o Diário de Notícias me proporciona), para que cada vez menos hajam três traços intervalando dois conjuntos de reticências...