Saibamos esperar para julgar com Glória
Deixemos a poeira assentar e que o tempo e as entidades competentes nos esclareçam cabalmente o que é que se passou
Vivemos acelerados e pressionados por um acesso inesgotável a informação multicanal que nos exige tempo, organização e autocontrolo. Tempo para podermos ouvir, pensar, analisar e fazer juízo. Organização porque com tanta solicitação e alertas há que ser seletivo e focado e autocontrolo, pois no limite e com a falta de capacidade de resposta, cada um tem de fazer as suas escolhas.
Mas, se nos dias ditos normais – leia-se sem grandes acontecimentos mediáticos – é assim, quando nos deparamos com algumas situações de maior relevo, nomeadamente as trágicas, tudo se torna mais pesado e mais complexo. Pelo menos para os mais humildes e comedidos que admitem que algo não correu bem, mas que, ainda assim, se reservam e permitem que o tempo e a informação entretanto produzida possa facultar elementos novos para a produção de uma opinião pessoal.
E sem surpresa é o que tem acontecido desde o passado dia três com o fatídico acidente com o elevador da Glória. Uma desgraça nacional com impacto além-fronteiras que merece toda a nossa consternação e recato bem como o carinho e suporte às vítimas e famílias das mesmas.
Quase de imediato ouviram-se queixas pelo fato da manutenção dos equipamentos ser feita por uma empresa externa. Depois foi a especulação sobre a(s) causa(s) do acidente, a suposta redundância do sistema que falhou, a quantidade e tipologia de vistorias realizadas, a adequação dos protocolos, entre muitos outros temas que foram abordados sem grandes fundamentações nem certezas.
De concreto, e além da divulgação três dias depois da nota informativa do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários onde são apontados fatos e não conclusões, e longe da especulação e dos “achismos” registamos a rápida comparência do Sr. Dr. Carlos Moedas, no local do sinistro e do seu pedido à Carris para uma investigação interna e externa “e independente que apure todas as responsabilidades no mais curto espaço de tempo”. A verdade é que ainda que consternado e atordoado com o que se estava a passar, deu a cara, acompanhou e coordenou a situação ao nível municipal e não acusou nem permitiu saídas precipitadas. Era isso que se lhe impunha.
De real e de positivo há que destacar a excelência do socorro prestado onde se inclui a coordenação, o transporte e a assistência hospitalar bem como a articulação entre as inúmeras entidades municipais e estatais que, dentro das suas competências específicas, foram comparecendo no local. Orgulhemo-nos disso agora porque podemos!
No entretanto, ainda que com alguns contributos técnicos de relevo, continuamos na especulação, vamos percebendo alguns erros cometidos pela pressão – o pai que afinal não faleceu e o acerto no número de vítimas mortais por exemplo – e a politiquice vai dando o ar da sua graça. Mesmo sem se saber a(s) causa(s) e a(s) responsabilidade(s) imputável(eis) , alguns vão pedindo demissões, incluindo por responsabilidades políticas, como se isso acrescentasse qualquer valor à situação.
A teoria nacional de que a demissão é a maior e a mais relevante solução para todos os problemas tem levado o País a inúmeras situações de eficácia e justiça muitos discutíveis.
Deixemos a poeira assentar e que o tempo e as entidades competentes nos esclareçam cabalmente o que é que se passou e se há ou não responsáveis pois a culpa não tem de morrer casada. Sem o intuito de desonerar seja quem for, a verdade é que a vida envolve sempre um certo nível de risco e os acidentes acontecem. Todos sabemos e vivemos com isso mas em algumas situações, nomeadamente quando envolve o setor público, achamos que há mais oportunidades de culpabilizar.
Aprendamos com as conclusões efetivas de modo a evitar situações idênticas. Esperemos para julgar. Não tenho dúvidas de que se saberá de tudo e que, longe da bolha, da especulação e do círculo mediático pré-eleitoral, conseguiremos ser mais corretos e justos. Sei bem o quanto custa esperar, mas tem que ser assim!