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Crónicas

A felicidade começa em casa

A Dinamarca lidera os rankings da felicidade há mais de 40 anos. Não é sorte. É escolha. É parentalidade consciente. Generativa

“Não peça aos seus filhos que lutem por uma vida extraordinária. Ensine-os, em vez disso, a encontrar o maravilhoso no simples. Saborear tomates, chorar com a perda de um animal, sentir o toque de uma mão, e o extraordinário fará o resto.”

Este poema de William Martin inspira-me há anos. É também a porta de entrada para dois livros que olham para as crianças, e para todos nós, com profundo respeito e humanismo. Educar à Maneira Dinamarquesa, de Jessica Joelle Alexander, em colaboração com Camila Semlov Andersson. Gurus de Palmo e Meio, onde partilho o trabalho que desenvolvo com a neurolinguística e a parentalidade generativa. Jessica, tal como eu, é autora da Penguin Random House Grupo Editorial.

Há mais de quatro décadas que o povo dinamarquês é considerado, praticamente todos os anos, o mais feliz do mundo. A conquista leva a assinatura da OCDE (Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento) desde 1973 e até o World Happiness Report (das Nações Unidas). O país é frequentemente citado como exemplo de harmonia entre vida familiar e profissional. É nesse contexto que a autora e investigadora cultural Jessica Joelle Alexander desenvolve o seu trabalho sobre parentalidade. E assim, Jessica concluiu que o segredo para a felicidade é a prática colectiva da parentalidade e educação consciente. Sim, é verdade que os horários de trabalho reduzido dos dinamarqueses, quando há crianças pequenas à mistura, e as 52 semanas de licença de maternidade, ajudam nesta equação.

Este livro oferece caminhos simples para tornar as rotinas mais leves, cultivar empatia, aprofundar a confiança e nutrir a relação entre pais e filhos. Mergulha nas práticas da cultura dinamarquesa, mostrando como o hygge, conforto, aconchego, bem-estar emocional, se traduz em práticas educativas. Crianças com autonomia. Crianças com empatia. Crianças livres para brincar. Porque a brincadeira livre ensina-as a serem menos ansiosas, mais resilientes e a lidar melhor com o stress. Não se trata de medir conquistas externas, mas de cultivar curiosidade, resiliência e segurança emocional. A autora (re)lembra outro aspeto essencial: a empatia facilita a nossa ligação com outros. Desenvolve-se na infância através da relação, em primeiro lugar, com a mãe.

Quantas vezes parámos, verdadeiramente, para pensar como é a vida de uma criança quando a tratamos como um pequeno guru de si mesma?

E se educar fosse, simplesmente, aprender a estar presente?

E se o extraordinário estivesse mesmo nas coisas comuns?

Observar, escutar, guiar sem pressionar: não moldamos, acompanhamos. Não competimos, conectamos. Porque ser mãe, ser pai, não é sobre perfeição, é sobre conexão.

No modelo educacional dinamarquês, a cultura da competição precoce e do desempenho constante é rejeitada.

É muito claro: cada criança é única, completa, irrepetível. A mensagem é a uma: crescer não é uma preparação para a vida. Crescer já é viver.

Quando nós, adultos, paramos para observar, escutar e orientar com atenção, criamos um espaço onde a confiança floresce. Um espaço onde o amor-próprio e a autoestima crescem sem pressas, sem pressões.

É verdade que para quem nasceu e cresceu no sul da Europa, com um mapa cultural diferente do escandinavo, pode ser desafiante (num primeiro momento) aplicar alguns passos deste modelo. Mas assim que começamos, não há retorno.

O modelo parte de uma ideia simples: as crianças são competentes desde muito cedo. São pessoas que merecem ser escutadas e incluídas nas conversas. Assim, podem cooperar de forma genuína. É uma relação de sujeito para sujeito. Não de poder. Não é “fazes o que eu digo porque eu é que mando”. Claro que nós, adultos, temos mais responsabilidade. Mas o que faz toda a diferença é como usamos essa responsabilidade.

Jessica e Camila lembram-nos: as crianças precisam de espaço. Para experimentar frustração. Para resolver problemas. Para assumir pequenas responsabilidades. É nessa liberdade guiada que nasce o alicerce emocional. É aí que se prepara o equilíbrio de que vão precisar para enfrentar os desafios da vida adulta. Este princípio ressoa muito em mim.

E sabemos hoje, também através da investigação, que não é a quantidade de tempo que faz a diferença. É a qualidade. Cada momento do dia conta. O caminho até à escola. A ida ao supermercado. Os instantes pequenos, do quotidiano. Tudo conta na hora de nutrir relações saudáveis. Porque, no fundo, jogamos todos na mesma equipa.

Outro passo essencial: as crianças precisam de honestidade emocional. Só assim aprendem a ser verdadeiras consigo próprias e com os outros.

Reconhecer e aceitar todas as emoções, as confortáveis e as desafiantes, é o oposto do autoengano. É o que as ajuda a tomar decisões a partir de dentro, e não apenas a seguir influências externas.

Outro ponto importante: elogiar (reconhecer) o esforço e a tarefa, em vez da criança em si. Isso muda o foco para o trabalho envolvido e, ao mesmo tempo, ensina humildade.

Este modelo de educação cultiva crianças otimistas, mas também realistas.

E entra em ação a ideia de otimismo realista: a arte de reenquadrar uma situação difícil (uma prática tão querida da neurolinguística). Uma competência valiosa, que os dinamarqueses transmitem aos filhos desde cedo. E quanto mais cedo se aprende, mais natural se torna levá-la para a vida adulta e mais possibilidades encontramos.

Ao ler este livro, facilmente percebemos que talvez o maior ensinamento seja este: a infância não é um ensaio para o futuro. É a própria vida. É aquela janela breve, muito breve, em que vale a pena valorizar os momentos comuns. Brincar. Rir. Aprender junto. E é aí que o extraordinário acontece, não grandioso, mas humano. Alegre. Genuíno. Pleno. Eterno.