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Análise

A normalização do inaceitável

Quem percorre algumas estradas onde já despontam cartazes partidários para as próximas Eleições Autárquicas depara-se com certas bizarrias fora de toda a esquadria. Um exemplo eloquente: a candidatura do Chega à Câmara do Funchal apresenta-se com o rosto do candidato à presidência da autarquia, ladeado por André Ventura. O observador mais distraído poderia perguntar-se: estará o líder nacional do partido igualmente na corrida ao Funchal? Evidentemente que não. Contudo, a sua imagem surge em catadupa, como se fosse inevitável que a figura de Ventura esteja sempre associada a tudo o que mexe, independentemente da geografia e do contexto.

Não faria maior sentido que fosse o presidente da estrutura regional a figurar no cartaz? Seria mais lógico, ainda que Miguel Castro não seja candidato. Porém, é igualmente certo que o nome não é amplamente conhecido da população madeirense. André Ventura, esse, é reconhecido por todos, fruto da sua omnipresença mediática e da obsessão por se colocar no centro de todos os debates. O homem comenta tudo, apresenta soluções para todos os problemas do país e até das regiões autónomas, embora não lhe seja conhecido um pensamento consistente e aprofundado sobre a Autonomia. Noutros tempos, deixou escapar opiniões contrárias ao próprio desenvolvimento autonómico, mas, como é seu timbre, rapidamente diz uma coisa e o seu contrário, sempre em busca do mesmo fim: a conquista do voto.

Esse é, de facto, o seu objectivo maior, e é inegável que o tem alcançado, levando o Chega à condição de segundo partido mais votado. Mas fá-lo à custa da manipulação, da distorção dos factos, da propagação de falsidades. O episódio mais recente, envolvendo ataques infundados ao Presidente da República, deveria envergonhar todos os que diariamente dão a cara por um projecto que é, em rigor, um culto de personalidade em torno de um só homem.

Nas redes sociais, a máquina de propaganda atinge proporções inquietantes. Basta percorrer o X ou o Instagram para verificar a quantidade de conteúdos distorcidos, vídeos adulterados, mensagens deturpadas, quase sempre com o fito de atacar minorias e insuflar sentimentos xenófobos e racistas. É uma estratégia calculada para dividir e incendiar a sociedade. A cada dia que passa, Ventura aproxima-se mais de um modelo de liderança autoritária, exigindo uma fidelidade cega aos seus seguidores, como se qualquer dia lhes impusesse um gesto ou saudação ritualizada.

Mais grave ainda: os modelos que invoca e admira são os piores exemplos da política mundial. Donald Trump, Viktor Orbán e Jair Bolsonaro, este último recentemente condenado por crimes contra o Estado de Direito, constituem o panteão político de Ventura. Não surpreende, pois, que, em Espanha, no passado fim-de-semana, se tenha permitido enaltecer perseguições a imigrantes levadas a cabo por grupos radicais na região de Múrcia e, pior ainda, que tenha defendido a prisão do primeiro-ministro espanhol. A extrema-direita portuguesa, pela voz do seu líder, alinhou assim com a cruzada mais retrógrada e perigosa da cena internacional.

O mais preocupante, contudo, não é apenas a deriva radical: é a progressiva normalização da mentira, do insulto gratuito e da promessa irrealizável. Este discurso não se compagina com os valores de Abril nem com a matriz democrática que nos foi legada. A política do ataque pessoal e da falsidade permanente corrói lentamente os alicerces da vida democrática. E ele faz-nos o favor de nos recordar isso mesmo em todos os recantos do país. Basta olhar para os cartazes.

2. A circulação massiva de viaturas das cerca de 170 rent-a-car da Região está a gerar crescente exasperação entre residentes. Queixam-se da condução arriscada de turistas pouco habituados às estradas locais, do estacionamento caótico e até de carros com tendas, usados para pernoitar em locais impróprios, com riscos ambientais.

O problema é também estrutural: grande parte da frota tem mais de cinco anos, em situação “fora de prazo”, revelou o presidente do Instituto de Mobilidade e Transportes, que admite irregularidades e mudanças, embora travadas por uma lei obsoleta.

Impõe-se, pois, um debate sério. O turismo é vital, mas não pode assentar no descontrolo que prejudica a vida dos residentes e a imagem de um destino que se quer sustentável. Se o quadro legal falha, que se mude a lei, disciplinando um sector que cresce sem limites e ameaça transformar a bênção turística num fardo diário.