Violência doméstica: é preciso fazer mais!
A violência doméstica é uma chaga que assola muitas famílias, manifestando-se no espaço mais íntimo do lar e das relações de intimidade, mesmo habitando em casas diferentes. Este problema não afeta apenas as vítimas diretas, mas também as crianças que assistem, sofrendo consequências profundas e duradouras. O recente caso ocorrido em Machico está a chocar a sociedade de uma forma sem precedentes, talvez por ter sido partilhado o vídeo que mostra a agressão.
A separação entre agressor e vítima é uma das medidas mais urgentes para garantir a segurança e o bem-estar de quem sofre abusos. Manter o agressor no mesmo espaço ou permitir que se aproxime da vítima (no caso de já não viver na mesma casa), mesmo após denúncia, perpetua o ciclo de violência e aumenta o risco de novos episódios. O afastamento, seja através de medidas de proteção ou de coação, deve ser uma prioridade, possibilitando que a vítima recupere a sua autonomia e segurança.
Desde 2015 que a legislação portuguesa contempla medidas preventivas como o afastamento e vigilância do arguido ou agressor, mas bem sabemos que as mesmas não são aplicadas de forma suficiente. Na maior parte dos casos, são as vítimas que têm que sair de casa, muitas vezes levando as crianças consigo. Sabemos que por vezes é mesmo necessário, mas utilizar esta medida como padrão é também causar dupla violência nas vítimas, quando deveria ser o agressor a ser detido ou obrigado a sair de casa. Por sua vez, isto inibe muitas vítimas de violência de pedir ajuda, justamente pelo receio de ter que deixar tudo para trás. No caso recentemente ocorrido em Machico, quiçá devido ao mediatismo do mesmo pois não é muito frequente, foi determinada a prisão preventiva do agressor, enquanto aguarda julgamento. No entanto, as consequências nefastas da exposição para a vítima e, em particular, para a criança, podem ser muito difíceis de combater, até porque o processo ainda mal começou.
Estudos demonstram que presenciar e/ou sofrer episódios de agressão pode afetar o desenvolvimento emocional, psicológico e social das crianças, levando a problemas de autoestima, dificuldades nos relacionamentos, ansiedade, depressão e, em alguns casos, a repetição do ciclo de violência na vida adulta. É fundamental que todos/as os/as profissionais que lidam com estas crianças, nos vários meios em que estão inseridas, estejam atentos/as, promovendo ambientes de segurança, prevenindo a violência escolar e acompanhando de perto o seu bem-estar emocional. Ouvir as crianças, validar o que sentem e criar canais seguros de comunicação são passos essenciais para identificar sinais de trauma e agir precocemente.
Por sua vez, prevenir a violência nas escolas deve ser uma prioridade governamental transversal na educação, envolvendo e apoiando as associações que trabalham nesta área. Educar desde cedo para a não-violência ajuda a construir uma sociedade mais consciente e responsável. Além disso, o acompanhamento psicológico de crianças expostas a episódios de violência é fundamental, assim como a sensibilização de docentes e familiares, para que possam atuar de forma preventiva e interventiva.
A violência doméstica não conhece limites de género ou classe social. Homens e mulheres, independentemente do seu estatuto social, podem ser agressores/as ou vítimas. Sabemos que as mulheres ainda são a maioria das vítimas, embora o número de denúncias feitas por homens tenha vindo a aumentar. Esta transversalidade demonstra que o combate à violência deve ser uma responsabilidade de toda a sociedade, sem estereótipos ou preconceitos. Cada caso deve ser tratado com sensibilidade, respeito e intervenção adequada, reconhecendo a complexidade da questão.
Embora a partilha de vídeos de episódios de violência possam servir para chocar a sociedade, a exposição excessiva de menores ou vítimas pode causar mais danos do que benefícios, violando a sua privacidade e expondo-os a riscos adicionais. A ética na partilha de conteúdo é fundamental; o seu objetivo principal deve ser sempre proteger e apoiar as vítimas, evitando revitimizações e promovendo uma abordagem humanizada e responsável. Combater a violência com violência e querer fazer “justiça com as próprias mãos” é o mesmo que querer apagar o fogo com fogo, propagando o incêndio de forma descontrolada. Nada, mas mesmo nada, justifica a violência, nem a que presenciámos no vídeo recente que se tornou viral nas redes sociais, nem outra qualquer.