Gestão da comunicação de crise na tragédia do Elevador da Glória
A onda de especulações, contradições e desinformação que se seguiu ao descarrilamento do Elevador da Glória, em Lisboa, não passou despercebida. Sem ser uma análise exaustiva, atentemos na gestão da comunicação de crise, destacando algumas situações que poderiam ter sido diferentes caso tivesse havido mais ponderação e consistência na informação que foi sendo enviada para o exterior por diversas entidades de forma separada e, por vezes, contraditória.
Logo depois da tragédia do dia 3 de setembro de 2025 que provocou 16 mortos e mais de duas dezenas de feridos, a Carris agiu de forma célere publicando um comunicado onde lamentava a existência de vítimas e informava que estava a acompanhar a situação.
O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa deslocou-se de imediato para o local do acidente, gesto que evidenciou proximidade e preocupação com os cidadãos. Carlos Moedas determinou a suspensão de todos os elevadores da cidade e a criação de uma linha de apoio às vítimas e respetivos familiares. Foi também anunciado um fundo municipal de apoio às vítimas.
O Governo e o Primeiro-Ministro, em comunicado, rapidamente destacaram que estavam a acompanhar “a situação e a resposta das diversas autoridades públicas de emergência médica, unidades de saúde, proteção civil, forças de segurança e transportes”.
Por sua vez, a Polícia Judiciária, que classificou o incidente como um “cenário de exceção”, veio a público afirmar que, ainda que não houvesse indícios de sabotagem, não descartava qualquer hipótese. A PJ criou uma espécie de comando de operações e uma linha direta de informação “direcionada a entidades oficiais e a familiares das vítimas”.
Também o Ministério Público anunciou uma investigação ao caso e a Autoridade de Mobilidade e Transportes uma ação de supervisão.
O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) abriu uma investigação técnica detalhada para apurar as causas do descarrilamento e da rutura do cabo.
As contradições sobre as informações referentes à manutenção e inspeções realizadas no elevador geraram desconfiança. Tanta, que a Carris distribuiu aos jornalistas diversa documentação referente ao processo. Contudo, surgiram dúvidas sobre a autenticidade de alguns documentos.
Portanto, teoricamente, todas as entidades tentaram dar o seu melhor, seguindo os princípios básicos da gestão da comunicação de crise. No entanto, devido a toda a incerteza e porque agiam isoladamente, gerou-se ruído. Constatou-se que os diversos organismos que se pronunciavam oficialmente sobre o acidente se atropelavam nalgumas informações, sendo algumas pouco coerentes e originando mesmo retificações, como o número de vítimas mortais (foi erradamente dado como morto um cidadão alemão, pai do menino de três anos que também sobreviveu ao flagelo).
Como tal, ao delegar na PJ a comunicação das vítimas mortais seguiu-se o que está na lei (Despacho n.º 4067/2024, de 15 de abril), mas é legítimo questionarmo-nos se não teria sido essencial haver criado um Gabinete de Gestão de Crise para centralizar a informação, estabelecendo uma comunicação a uma única voz, passando para o exterior informações mais claras e coordenadas, o que poderia demonstrar uma melhor gestão da informação e dos meios.
Desta forma, poderia reduzir-se o impacto reputacional das entidades envolvidas e evitar a onda de desinformação que confunde a população, para além de impedir qualquer aproveitamento político que já se constata – apesar do apelo feito pelo Primeiro Ministro. É que, enquanto as autoridades continuam a investigar para que a culpa não morra solteira, como estamos em vésperas de eleições autárquicas, o CHEGA apresentou já uma moção de censura e outros partidos, comentadores e até o Presidente da República já se pronunciaram sobre a responsabilidade política.