O calor da ciência: o que pensam os portugueses?
Qualquer projeto de investigação começa com uma pergunta, uma hipótese baseada na experiência do investigador. O investigador procura respostas para algo desconhecido, analisa o que já foi estudado e identifica aspetos menos explorados ou novas perspetivas. Define objetivos, escolhe métodos e só depois, ao recolher e ao analisar dados, chega a conclusões e a reflexões. Este percurso pode demorar meses ou até anos e é importante lembrar que, muitas vezes, a hipótese inicial pode não se confirmar. Neste artigo de opinião, convido o leitor a fazer comigo um pequeno exercício de investigação sobre o modo como a sociedade portuguesa encara o impacto da ciência.
A hipótese inicial, baseada na minha experiência e na de outros colegas, é a seguinte: uma parte significativa da população portuguesa poderá não reconhecer plenamente o impacto positivo da ciência e, por isso, sentir algumas dúvidas face ao investimento público nesta área. Isto pode estar ligado ao desconhecimento sobre os benefícios reais da ciência, ou à perceção de que os resultados demoram demasiado tempo a aparecer, ao invés de serem imediatos. Assim, levantam-se duas perguntas para esta investigação. Em primeiro lugar: será que a maioria da população portuguesa reconhece de facto o valor da ciência? Em segundo: que fatores podem justificar eventuais dúvidas ou hesitação perante o investimento em investigação científica?
Com as perguntas definidas, avançamos para a recolha e a análise de dados. Neste caso, não precisamos de recolher novos dados. A Comissão Europeia já o fez, através do Eurobarómetro, realizado em fevereiro de 2025. Este estudo mostra que 83% dos europeus consideram que a ciência tem um impacto positivo e 67% acreditam que a ciência melhora as suas vidas. Em Portugal, 8 em cada 10 pessoas reconhecem o valor da ciência e da tecnologia para a sociedade. Este dado responde claramente à nossa primeira pergunta de investigação. No entanto, muitos portugueses afirmam sentir-se pouco informados sobre as novas descobertas e consideram a ciência demasiado complexa para ser compreendida. Este fator pode dificultar a perceção do tempo que a ciência exige e da ausência de efeitos imediatos. Aqui encontramos possíveis motivos para algum ceticismo em relação ao investimento em ciência, respondendo, desta forma, à nossa segunda questão.
Avancemos agora para a reflexão, essencial em qualquer investigação. A condição atual da ciência em Portugal merece ser analisada. Apesar do reconhecimento público do valor da ciência, têm existido cortes bastante significativos no financiamento dos centros de investigação em Portugal. Mais de 115 centros de investigação sofreram reduções a rondar os 70% face ao valor atribuído no último período de avaliação, o que afeta as condições de trabalho dos investigadores e a produção de conhecimento. Atualmente, Portugal investe 1,69% do seu PIB em investigação, bem abaixo da média europeia de 2,22%. Curiosamente, Portugal é também dos países onde, segundo o mesmo Eurobarómetro, mais se atribui ao Estado a responsabilidade de garantir que todos beneficiam dos avanços científicos. Isto revela um desfasamento entre a perceção positiva da população e as decisões políticas sobre o financiamento da ciência.
Passemos a mais reflexões sobre o nosso “estudo”, em jeito de implicações. Torna-se fundamental perceber que a ciência precisa de tempo. Se o financiamento da investigação depender apenas de resultados imediatos, arriscamo-nos a perder descobertas com grande impacto no futuro. Investir em ciência não é gastar dinheiro sem retorno: é construir capital intelectual e preparar o país para os desafios dos próximos anos.
No final deste exercício, voltamos à hipótese inicial. Os dados mostram que, apesar de existirem algumas dúvidas e de nem todos se sentirem informados, a maioria dos portugueses valoriza e confia no impacto da ciência. Portanto, a hipótese de que grande parte da população portuguesa não reconhece o efeito positivo da ciência ou desconfia do investimento público nesta área não se confirma. Ou seja, a realidade revela-se mais positiva do que supus inicialmente.
Tal como num verdadeiro processo de investigação, começámos com uma hipótese, recolhemos dados, analisámo-los e chegámos a uma conclusão informada. A elaboração deste artigo exigiu apenas duas manhãs da minha parte e cerca de cinco minutos ao leitor para o ler. No entanto, toda a recolha e análise dos dados utilizados envolveu milhares de horas de trabalho de muitos investigadores e técnicos. Só para o Eurobarómetro foram recolhidas mais de 26 mil entrevistas. Se queremos continuar a obter respostas através da ciência, é fundamental dar-lhe condições, tempo e confiança para que todo este processo, que pode ser longo e exigente, se traduza em benefícios para todos. Por isso, devemos exigir paciência à ciência, mas devemos também compensar essa paciência com mais investimento, melhores condições e maior valorização dos investigadores. Só assim garantimos benefícios para toda a sociedade.