A Excelência é chata (e é por isso que funciona)
A grande ironia? É precisamente porque a excelência é tão pouco romântica que tão poucos a alcançam
O ser humano é fascinado por narrativas épicas: um golpe de génio num momento crucial, que coroa anos de sacrifício, o predestinado que nasceu com um dom sobrenatural ou o atleta que supera lesões impossíveis. Mas a verdadeira excelência - aquela que perdura e se repete - é feita de algo muito menos cinematográfico: rotinas meticulosas, atenção obsessiva ao detalhe e uma disciplina quase monástica para dominar o básico.
Daniel Chambliss, sociólogo que estudou nadadores olímpicos durante anos, descobriu algo revelador: a diferença entre um atleta mediano e um campeão não está no número de horas de treino, mas na qualidade microscópica de cada movimento. Um nadador de elite não nada mais horas - nada melhor. Presta atenção à curvatura exata dos dedos na água, ao ângulo preciso da cabeça ao respirar, à força exata aplicada em cada viragem. Enquanto outros cansam-se em quilómetros infinitos, o campeão repete inúmeras vezes o mesmo movimento até aperfeiçoá-lo.
Kobe Bryant personificou esta abordagem após um dos momentos mais humilhantes da sua carreira quando, em 1997, falhou quatro lançamentos cruciais nos playoffs da NBA. Em vez de culpar o azar ou a pressão, fez uma autópsia técnica: “os lançamentos estavam curtos. As minhas pernas estavam fracas”. O que se seguiu foi uma reconstrução radical do seu treino: fortalecimento específico de tornozelos, análise biomecânica detalhada dos seus movimentos e - num golpe de génio - aulas de sapateado para melhorar o ritmo e a agilidade. Enquanto os colegas repetiam mecanicamente os mesmos exercícios, Kobe perguntava: “Que pequeno ajuste pode levar-me do muito bom ao excecional?”
Michael Phelps, o nadador mais condecorado da história olímpica, elevou a monotonia ao estatuto de arte: nadava exatamente 6.000 metros por dia, incluindo Natal e Ano Novo, media a temperatura da piscina com a precisão de um relojoeiro, treinava deliberadamente com óculos partidos para preparar-se para falhas de equipamento, e comia as mesmas 3.500 calorias diárias, distribuídas nas mesmas refeições, nos mesmos horários.
Tom Brady, o lendário quarterback, manteve desde 2001 um diário detalhado de cada passe falhado, registando não apenas o erro em si, mas a velocidade do vento, a humidade relativa do ar e até a posição do sol no momento do lançamento. Serena Williams, por sua vez, gravava todos os seus treinos e revia-os em câmara lenta, mantendo uma “pasta da vergonha” com cada erro cometido em momentos decisivos - e o plano concreto para evitar repeti-los.
O que é que estes exemplos, tal como inúmeros outros que não cabem nesta crónica, nos ensinam sobre a natureza real da excelência? É qualitativa, não quantitativa, pois não se trata de trabalhar mais horas, mas de extrair mais valor de cada minuto; vive nos 1% - as diferenças entre bom e excecional estão nos detalhes que a maioria considera irrelevantes; exige consistência, não heroísmo - a disciplina diária supera sempre a inspiração ocasional.
Nas entrevistas, aos atletas vencedores é normalmente perguntado como se sentiram ao vencer, ou o que sacrificaram. Perguntas erradas. Devíamos antes questionar quantas horas exatas descansam, como se alimentam, como mantêm e aperfeiçoam o que já fazem bem e analisam e trabalham os seus erros, como preparam imprevistos ou mantêm a concentração quando estão exaustos e desmotivados.
As respostas seriam menos glamorosas - mas infinitamente mais reveladoras.
No cerne, a excelência é sobre fazer hoje, com atenção cirúrgica, o que os outros consideram demasiado aborrecido para repetir amanhã. É sobre lavar a mesma loiça, no mesmo lava-loiças, com o mesmo cuidado, dia após dia. O extraordinário, afinal, não nasce do espetacular - mas da capacidade de transformar o mundano em ritual, e o ritual em perfeição.
A grande ironia? É precisamente porque a excelência é tão pouco romântica que tão poucos a alcançam. Não por falta de capacidade, mas por investimento no supérfluo ou irrelevante, ou falta de paciência para dominar o que parece insignificante.
Como Chambliss concluiu, não são as horas extra que fazem o campeão. É o que ele faz com as horas normais que todos têm. No final, a verdadeira mestria não se compra com discursos motivacionais - conquista-se com a meticulosidade de ser aborrecido, todos os dias, sem falhas.