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Menos Feed, Mais Off

Hoje dedicamo-nos à análise da maior montra da Economia mundial, o feed. Para quem não o conhece, o feed é aquela página de qualquer rede social que ordena e arquiva segundo um algoritmo o fluxo contínuo de conteúdo resultante das diversas publicações elaboradas pelos mais variados utilizadores das diferentes redes sociais.

Regra geral, quantos mais likes um determinado conteúdo tem, em mais feeds aparece.

Estou certo de que se vivêssemos na altura de Gil Vicente este defini-lo-ia como o novo purgatório. E porquê? Pela importância que transversalmente todos dão aos conteúdos publicados nas redes sociais.

Políticos, atores, jogadores de futebol - ou, mais recentemente, os “influenciadores” - todos têm preocupação com aquilo que “postam” e, ainda mais, sobre se o conteúdo é vendável para futuras parcerias. O objetivo varia entre granjear mais simpatia na hora do voto ou ganhar mais popularidade, seja com marcas de roupa, determinadas lojas ou hotéis.

A revolução das tecnologias de informação obrigou a que se criassem diferentes profissões: gestores ou criadores de conteúdos, hoje há uma panóplia de novas ocupações apenas com um intuito: alimentar o feed e com isso conseguir dividendos de económicos a uma escala planetária que de outra forma não seria possível.

Esta profissionalização da comunicação digital tem benefícios. Permite dar escala a produtos que poderiam estar confinados a espaços exíguos pela sua limitação geografia, mas também permite a proliferação de conteúdos supérfluos e fúteis que maximizam uma visão capitalista da sociedade toldada para o sucesso, desvirtuando aquela que é a realidade diária que todos vivemos.

Partindo desta premissa, facilmente se concorda que o feed é uma espécie de montra digital em que nenhum comerciante põe o seu pior produto em exposição. Não há espaço a frustrações, pontos negros ou a mãos sujas de um dia de lavoura. Há apenas uma publicação, numa hora privilegiada, definida por um algoritmo, para que venha daí a aprovação social ou a divulgação da minha “pertença” à rotina. Um pedido de colaboração, ou um conjunto de likes é o objetivo. Se o conteúdo é verdadeiro ou falso, nem interessa. Há quem diga que o conteúdo orgânico é o que vende mais: pena é que raramente vi fotografias desfocadas e com pouca edição a serem viralizadas nas redes. A popularidade dos tempos modernos faz-se do alcance e do engagement que as publicações podem gerar, ou das reações nos stories , mas muito poucas vezes falamos de momentos que nos tocam a alma. No outro dia, pensava, quão raro é vermos uma criança de braço partido, joelhos esfolados ou calças rasgadas porque subiu a uma árvore ou caiu da bicicleta.

Sou um reformista por convicção, adoto e adiro à novidade, mas confesso-Vos que tenho algumas dúvidas sobre o caminho que estamos a trilhar. Não sendo as redes sociais de utilização obrigatória, ou sequer um bem de primeira necessidade, a verdade é que atualmente a socialização é muito mais sobre conexão do que sobre conhecimento. Parecemos admitir que a forma prevalece sobre a substância e quem está fora dela está sempre um passo desatualizado sobre os temas do momento. Não será esta excessiva e sucessiva procura de informação e respetiva partilha, uma das razões para tantos problemas de saúde mental entre os jovens?

O meu desejo para este verão é que sejamos menos feed e mais off.