Casas não faltam, falta atitude: a verdade incómoda da crise da habitação
O problema da habitação na Madeira não é apenas uma questão de mercado, é um problema de coragem e atitude dos políticos. Em Santa Cruz, o preço médio por metro quadrado atingiu, em julho de 2025, máximos de 2415€/m2, um aumento de 22,7% face a 2024, o maior aumento da Região. Estes valores ilustram o problema estrutural que temos em mãos, que ameaça famílias inteiras, as novas gerações e a própria coesão social.
As causas estão identificadas por poucos, mas incompreendidas por muitos e vão destes fatores macroeconómicos a matérias micro. O crédito de fácil acesso, totalmente proveniente da banca, alimenta exponencialmente a inflação e pressiona o preço das casas, sobretudo num mercado insular como o nosso. A esmagadora maioria do dinheiro em transação é gerada pelos bancos e não pelos estados, sim. Enfim, talvez um bom tema para o próximo mês. Junta-se a tudo isto a escassez de solo urbanizável, os custos elevados da construção, a procura turística crescente e o investimento estrangeiro. O resultado é a tempestade perfeita que empurra a habitação como produto financeiro especulativo, empurrando a maioria para fora dessa lógica.
Mas, o problema não é apenas económico, também é político. No Funchal, a título de exemplo, foram identificados até ao momento mais de 400 prédios devolutos, cerca de 600 edifícios sem uso, grande parte destes no centro histórico da cidade. Só na Rua da Carreira, totalizam 41 imóveis que podiam ser requalificados e colocados no mercado. Bem não sou autarca pelo Funchal, nem nunca vivi lá, mas tenho quase a certeza que há muitos que nem se deram ao trabalho de diagnosticar aprofundadamente este assunto.
Os próximos autarcas que serão eleitos em outubro tem que compreender que têm ao seu dispor várias modalidades: podem ceder terrenos municipais a cooperativas; investir diretamente com fundos comunitários; celebrar contratos-programa com o Governo Regional, lançar plataformas digitais que incentivam os senhorios a arrendaram 20-30% abaixo do valor do mercado (por exemplo, isentam o IMI). A lei também já prevê licenciamento com prazos máximos, incumpridos na generalidade e até o deferimento táctico em caso de incumprimento. No entanto, a lentidão burocrática continua a ser a “rainha da bateria”, travando a entrada de nova oferta no mercado.
Só no quadro do PRR estão previstas na Madeira mais de 800 habitações a custos controlados até ao próximo ano. Os recursos existem, os fundos estão disponíveis, resta saber se há vontade política e atitude para aplicá-los bem. Os mecanismos legais existem, o que parece que não existe é a capacidade suficiente de muitos em transformar o diagnóstico em ação. Muitos autarcas são cúmplices deste problema. Não conhecem todo o seu património, não planeiam nem aceleram procedimentos, não fazem parte da solução. É sempre mais fácil negarmos as nossas responsabilidades para outras instâncias. É caso para dizer que casas não faltam. O que falta, demasiadas vezes, tornando-se quase regra, é a vontade de se dar ao trabalho.