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A empatia

Vivemos numa era marcada por conexões instantâneas e comunicação constante. Nunca na história tivemos tantas formas de falar uns com os outros — redes sociais, mensagens instantâneas, videochamadas — e, paradoxalmente, nunca pareceu tão difícil sentir que realmente nos compreendemos. A empatia, essa capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreender não apenas as palavras, mas também as emoções por trás delas, parece estar cada vez mais rarefeita no nosso dia-a-dia.

Empatia não é apenas um acto de bondade, mas uma ponte invisível que liga duas pessoas. É o que permite perceber a dor no olhar de um amigo, mesmo quando a boca sorri. É o que nos impede de julgar de imediato e nos convida a ouvir antes de responder. No entanto, essa ponte parece hoje muitas vezes enfraquecida, corroída por pressas, distracções e pela cultura da superficialidade que a sociedade contemporânea tantas vezes alimenta.

As redes sociais, embora abram janelas para o mundo, também criam um cenário curioso: todos expõem fragmentos cuidadosamente escolhidos das suas vidas, enquanto as dores reais ficam escondidas. Passamos a conhecer versões editadas uns dos outros, e isso reduz o espaço para a empatia genuína. É mais fácil “curtir” uma foto do que perguntar, com interesse verdadeiro, “como estás, mesmo?”. Assim, muitos acabam rodeados de interacções, mas carecem de ligações humanas profundas.

A falta de empatia manifesta-se também na polarização de opiniões. Debates transformam-se em campos de batalha onde se procura vencer, e não compreender. E isso não acontece, apenas, no “espaço político”. No espaço virtual — e, por contágio, também no real — cresce a tentação de reduzir pessoas a rótulos: “o que pensa assim”, “o que vota assado”, “o que pertence a tal grupo”. Quando etiquetamos, deixamos de ver o ser humano inteiro que existe por trás, com a sua história, vulnerabilidades, medos e contradições. A empatia exige exactamente o contrário: ver além dos rótulos, enxergar as camadas. As diversas camadas de que todos nós somos feitos.

Há, porém, um paradoxo curioso. Apesar desta aparente escassez, vemos também um desejo crescente por mais autenticidade e ligação emocional. Movimentos de saúde mental, conversas sobre vulnerabilidade e iniciativas comunitárias mostram que a necessidade de empatia não desapareceu — talvez tenha até aumentado, justamente porque sentimos a sua ausência. Há uma fome de sermos ouvidos e compreendidos de forma profunda, que ultrapassa o ruído e a pressa.

A verdade é que a empatia exige tempo e presença. Não se trata apenas de ouvir palavras, mas de prestar atenção aos silêncios, aos gestos, ao que não foi dito. Exige colocar de lado o próprio ego, por alguns instantes, para entrar no universo emocional do outro. Num mundo acelerado, este é um acto quase revolucionário. Dar atenção total a alguém, sem distracções, é como oferecer um presente raro. É, mesmo, oferecer um presente cada vez mais raro.

Cultivar empatia na actualidade é, portanto, um exercício de resistência contra a indiferença e a fragmentação. Começa com gestos simples: perguntar de verdade como o outro está, escutar sem preparar imediatamente uma resposta, reconhecer que a nossa experiência não é universal. Passa também por estarmos dispostos a rever opiniões, a admitir que não sabemos tudo e que a perspectiva do outro pode iluminar zonas que não estávamos a ver.

A falta de empatia tem custos altos. Isola, gera conflitos desnecessários, aumenta mal-entendidos e fragiliza laços. Mas a boa notícia, contudo, é que a empatia pode ser treinada e fortalecida. Quanto mais a praticamos, mais natural se torna. Basta que cada um de nós assuma a responsabilidade de, nas suas interações diárias, tentar compreender mais do que responder, acolher mais do que julgar.

Se queremos uma sociedade menos dividida, precisamos de resgatar a capacidade de olhar o outro como alguém, pelo menos, tão complexo quanto nós mesmos. No fundo, a empatia é um lembrete de que ninguém é uma ilha, e que o valor das nossas relações depende menos da frequência com que nos falamos e mais da profundidade com que nos escutamos.

Talvez, no final, a pergunta mais urgente que devamos fazer todos os dias não seja “o que tenho para dizer?”, mas sim “o que tenho para compreender?”. E, se conseguirmos ouvir verdadeiramente as respostas, estaremos a reconstruir a ponte invisível que nos une e que, apesar de tudo, ainda resiste.