Mais turismo? Sem mão de obra? Com este aeroporto?
Câmara suspendeu AL. E os hotéis? Qual a diferença?
Na vertigem do dilúvio de prémios atribuídos ao turismo na Madeira não temos dado a devida atenção aos problemas, tanto conjunturais como estruturais, que se vão acumulando. Pareciam medalhas que certificavam a melhor ilha, o melhor destino, o sonho de férias, a ilha encantada que todos querem visitar.
Esse “Madeira dream”, que deveria ser motivo de orgulho, convive hoje com sinais de alarme que não podemos ignorar.
Antes que venham aí os protestos e manifestações, de descontentamento e repúdio por exageros descontrolados, será tempo de atalhar com debate sério e construtivo entre nós madeirenses, donos e senhores do arquipélago. Primeiro, publicando a informação que é exigida conhecer para proporcionar discussão, conclusões e medidas executivas.
Não vale a pena fingir que não se passa nada!
Primeira verdade: não estávamos preparados para este crescimento. Olhávamos para o turismo como um negócio exclusivamente hoteleiro de uns poucos empresários madeirenses. As cadeias internacionais, sempre com expectativas de lucros superiores, não admitiam investir por cá. As que antes vieram, foram embora. Nada parecia mudar rapidamente. O novo Savoy foi pedrada no charco. Até que veio o AL.
Foi o primeiro erro de avaliação. Afinal, mudou! E de que maneira!
A liberalização do transporte aéreo e a ampliação do aeroporto, dois temas a que dediquei grande parte da minha vida política, fizeram a revolução: afinal era possível chegar à Madeira sem ser pela TAP, por Lisboa, pela mão de uma agência de viagens e não ficar em hotel. Viajar com autonomia individual passou a regra nas dezenas de companhias aéreas que servem todos os aeroportos europeus, incluindo o nosso.
Começa o alojamento local, reestruturando um já tradicional turismo residencial. Inúmeras famílias percebem a oportunidade de recuperar as suas velhas casas, muitas abandonadas; abrirem apartamentos fechados, adquiridos para investimento fugindo à insegurança dos bancos; obterem um rendimento adicional inesperado; e dedicando parte do seu tempo a uma actividade com a qual sempre estiveram familiarizados.
Os madeirenses esforçam-se e têm orgulho nesta sua costela de empreendedores de turismo.
A qualidade assume predominância numa actividade bem “agarrada”. Afinal todos podem ser empresários de turismo, cumprindo com as exigências legais, pagando os impostos devidos e suportando o custo dos inúmeros serviços contratados. Bem como satisfazendo os seus clientes.
São estes inúmeros novos empreendedores de turismo uma importante base eleitoral nas decisões políticas futuras. No turismo nada será como antes!
O turismo duplicou rapidamente. Passámos das trinta mil camas hoteleiras para as sessenta mil camas turísticas: hoteleiras e residenciais.
O que está em causa, e admite debate, é decidir qual a pressão demográfica que aceitamos para o arquipélago. Quantos irão residir e que número suportamos de visitantes? Um estudo demográfico impõe-se, enquanto discutimos os limites que irão regular o convívio das próximas gerações.
Um exemplo: no Havaí fixaram em cinco por cento do território o máximo de área possível construir. É um critério.
Mas oiço vozes hoteleiras procurando contrariar a nossa realidade.
Pergunto: estando a ser construído um novo hotel no Funchal, sem que haja mão de obra madeirense disponível, deve um nosso conterrâneo prescindir do seu alojamento local para que grandes empresários criem camas hoteleiras que vão empregar cidadãos do Bangladesh, Nepal ou Paquistão? Dessas origens quantas famílias vamos aceitar? Onde vão viver? Que hospital vão usar? Há escolas e creches suficientes?
Eduardo Jesus ainda será condecorado, por estes países emissores de mão de obra, pelo alto contributo social prestado às suas populações.
Brincadeira à parte, verdade verdadinha, é que até agora ninguém perguntou o que quer que seja. Os projetos imobiliários são apresentados, aprovados e construídos. Como há trinta ou vinte anos atrás. Nada parece ter mudado. O governo diz que não há excesso de turismo, mas não se tem a mão de obra que faça o serviço. Então, como autorizar mais?
Será legítimo aprovar um novo hotel numa ilha com turismo no limite e sem cidadãos disponíveis para trabalhar?
Acho muito estranho, a Câmara suspender o AL em edifícios colectivos e não suspender, por igual, novos hotéis. Qual a diferença? São mais turistas na mesma. Não há madeirenses para empregar. Não resolve nada. É medida eleitoral, para outros resolverem. Não podemos cair na tentação de inventar “soluções“ avulsas quando não temos plano, estratégia ou táctica para um dossier complexo e com tão larga responsabilidade social. Pilatos também lavou as mãos.
Eu não aceito que uns possam ser empresários hoteleiros e outros sejam impedidos de serem empreendedores de alojamento local.
E como conviver com o constrangimento aeroportuário que, sem pré-aviso, rompe com toda e qualquer logística? Como depender de uma única actividade económica martirizada por um transporte aéreo que impõe incómodos, transtornos, custos adicionais e um sentimento de impotência desesperante? Voltarei a este tema.
Com este aeroporto e sem mão de obra diga-se que é difícil desenvolver o negócio do turismo.
Está saturada a Ilha de turismo quando ainda tem espaço para ser desenvolvido na Praia Formosa, Reis Magos, Lugar de Baixo, Baía de Machico e Ribeira do Faial, único local ideal para um campo de golfe. Pena terem assassinado a Ribeira do Porto Novo com serviços que não se admitem em zona nobre de investimento.
Uma coisa é aceitar imigrantes para fazerem funcionar actividades económicas já existentes, outra, muito discutível, é aceitar novos residentes para darem vida a negócios ainda não realizados.
Em Gran Canária, há mais de quinze anos, não é permitido construir novos hotéis. Compram antigos, remodelam e abrem. Não aumentam a hotelaria e, por isso, não há necessidade de imigrantes para trabalharem na hotelaria. São todos locais. Mais bem pagos que os nossos. Procuram salário em vez de subsídio. Não emigram.
Outra questão de fundo é saber se é aceite baixar o PIB, no caso de redução do negócio do turismo. Está provado que as regiões com predomínio dos serviços conseguem igualar a pujança económica e a produtividade das potências industriais. Admitindo que ninguém se atreve a sugerir substituir o turismo por indústria, a imobiliária tem de ser controlada, a construção pública não pode continuar nos níveis pornográficos anteriores, restando insistir no turismo de qualidade ainda que fechando o que não presta.
É preciso forçar as novas tecnologias. Aqui sim, há muito a ganhar. Até porque não podemos ficar exclusivamente dependentes do turismo. Há que dinamizar os chamados serviços avançados, que aportam valor acrescentado. Já iniciados na nossa economia.
Este tipo de serviços não são sazonais nem queimam tanto território como o turismo.
Querem ter habitação disponível? Então, como já disse Miguel Albuquerque, proíba-se o alojamento local em novos edifícios de habitação colectiva, ficando estes reservados a habitação residencial. Os apartamentos em construção, ao preço que são colocados no mercado, não permitem a opção habitacional. São proibitivos à população em geral. São para investimento especulativo e rentabilidade imediata. O alojamento local deveria ser reservado às moradias com dez ou vinte anos de uso residencial de longa duração. E ao parque já autorizado.
Mas a real questão de fundo é a demografia e a dinâmica populacional que aceitamos para a Madeira e o Porto Santo. Essa deve determinar o equilíbrio necessário a garantir o número de residentes, imigrantes e visitantes.
Aeroporto oferecido à ANA?
Jardim acusa-me de persegui-lo. Depois das mentiras que insinuou sobre mim, fiquei com crédito para corrigi-lo sempre que adultera a verdade. Que não são poucas as vezes. A História não é a que se quer contar.
O antigo presidente devia-nos dizer que dívida pública regional foi paga com a devolução do aeroporto à ANA, para o negócio do século. Se a Madeira deve quase seis mil milhões de euros, por má gestão e irresponsabilidade na primeira década deste século, escreva-nos quanto abateu à dívida regional com aquela que terá sido uma das piores decisões dos seus governos? Repito a pergunta: devolver o aeroporto à ANA quanto “rendeu”?