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Do direito à imagem ao consentimento

O vídeo captado pela “kiss cam” de um concerto dos Coldplay, em Boston, nos Estados Unidos da América, tornou-se viral por causa da reação dos intervenientes. Sobretudo por se tratar de figuras com notoriedade e devido ao interesse público do acontecimento, ao nível internacional, para além da difusão nas redes sociais, vários meios de comunicação social noticiaram o incidente com o presidente do Conselho Executivo e a diretora dos Recursos Humanos de uma empresa tecnológica americana, a Astronomer.

Este e outros casos igualmente polémicos, envolvendo personalidades ou não, podem fazer-nos pensar até que ponto podem imagens ou vídeos ser vastamente partilhados, mesmo sem consentimento.

Atentemos no que diz a lei: no que se refere ao direito à imagem, o Código Civil português dita que o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou comercializado sem o consentimento desta ou dos seus legítimos herdeiros, em caso de morte daquela. Contudo, não é necessário consentimento quando se trate de pessoas que tenham notoriedade, exerçam cargos públicos ou se se tratar de exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais. Ou ainda quando a reprodução da imagem ocorrer em lugares públicos, se tratar de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. Finalmente, a imagem não pode ser reproduzida, exposta ou comercializada se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

Contudo, qualquer pessoa pode difundir, publicar ou reproduzir a sua própria imagem, quer seja para fins comerciais ou não. Pode, também, ceder a sua imagem a terceiros para proveito económico, com o objetivo de exploração comercial. Este tipo de cedência acontece com famosos, nomeadamente modelos, atores e outros que podem assinar contratos de exclusividade.

Ainda, é possível impedir que outras pessoas utilizem a nossa imagem: o Código Penal defende a proteção dos bens jurídicos de personalidade, nomeadamente através da reserva da intimidade da vida privada e da imagem. Segundo a Constituição da República Portuguesa, com as mesmas exceções atrás apontadas, sem consentimento, não se pode gravar áudios, tirar fotografias ou fazer vídeos das pessoas.

Então, na esfera privada, secreta e íntima, as imagens nunca são acessíveis sem autorização, ainda que se trate de pessoas com visibilidade ou mesmo detentoras de cargos públicos. Já na esfera pública e social (como acontece com as publicações nas redes sociais), as imagens podem ser utilizadas, desde que não seja para fins comerciais, como por exemplo publicitários. Portanto, não é lícita a comercialização da imagem de alguém sem o seu consentimento, mesmo que se trate de uma figura pública ou a pessoa esteja num espaço público.

Infelizmente, com a Internet, estamos cada vez mais vulneráveis, na medida em que, a qualquer momento, com um smartphone, por exemplo, qualquer pessoa pode registar, sem consentimento, imagens, vídeos ou áudios, difundindo-os sem qualquer pudor, o que pode configurar uma violação da privacidade e do direito à imagem.

Também os avanços tecnológicos, como a Inteligência Artificial, vieram piorar o cenário, na medida em que possibilitam maiores deturpações sem consentimento e originam desinformação.