A estratégia iluminada é crescer até rebentar?
A Madeira vive um momento crítico no turismo. Estradas congestionadas, trilhos sobrelotados, ecossistemas com perigo de degradação, levadas com excesso de turistas, preços da habitação muito elevados e um clima social cada vez mais tenso e controverso na discussão pública dos impactos do turismo. Estes sinais não são fruto do acaso. A teoria económica do desenvolvimento turístico há décadas que avisa: todo o destino tem uma capacidade de carga — o limite de visitantes que pode receber sem comprometer os seus recursos naturais, a sua coesão social e a qualidade da experiência que oferece. Quando essa barreira é ultrapassada, o processo é quase sempre o mesmo: degradação ambiental, saturação urbana, perda de autenticidade cultural e, a prazo, quebra da procura por parte do segmento de visitantes que mais valor acrescenta e, portanto, perda de receitas e redução do crescimento económico.
O responsável pelo turismo tem insistido numa narrativa simplista: regular, limitar ou planear significaria travar o crescimento, assustar investidores e afastar turistas. Esta retórica é politicamente conveniente, mas empiricamente falsa. Os destinos que optaram por políticas de contenção e ordenamento não perderam competitividade — reforçaram-na. O turismo de qualidade não se mede em cabeças, mede-se em receitas por visitante, permanência média, satisfação e taxa de retorno. Atrair visitantes dispostos a pagar mais por qualidade exige proteger os ativos naturais, melhorar a experiência e garantir a sustentabilidade.
O chamado overtourism não é uma invenção académica ou uma paranóia ambientalista. É um conceito operacional, medido e estudado por organizações como a Organização Mundial do Turismo (OMT) e o World Travel & Tourism Council. Os relatórios destas entidades são unânimes: os destinos que não controlam a pressão turística acabam por degradar a sua imagem e perder quota de mercado. Destinos de referência que perceberam isso a tempo reforçaram a sua competitividade. Barcelona limitou o alojamento local em determinadas zonas e criou uma taxa para preservação; Veneza impôs quotas e bilhética para visitantes ocasionais; as Galápagos controlam rigorosamente entradas e itinerários; Amesterdão restringiu cruzeiros e proibiu novos AL no centro; Dubrovnik limita visitantes à cidade velha e monitoriza fluxos em tempo real. Nenhum destes destinos perdeu relevância económica — todos aumentaram valor e preservaram o seu património. Do meu ponto de vista
há caminhos urgentes a trilhar. O melhor a fazer é os responsáveis liderarem a construção de um novo (?) modelo de planeamento turístico que envolva os stakeholders (todas as partes interessadas) do sector e permita, pelo menos,
o seguinte:
• Definir a capacidade de carga por zona (já devia estar estudado há muito tempo);
• Impor limites diários nas áreas sensíveis;
• Rever o licenciamento do alojamento local e planear a capacidade hoteleira;
• Definir meios financeiros, seja através de taxas ou não, para preservação e ordenamento do território;
• Reforçar os transportes públicos, equacionar novo modelo de mobilidade para visitas aos activos turísticos e desconcentrar fluxos;
• Envolver as comunidades nas políticas turísticas.
Na minha opinião existe na verdade um défice de planeamento e uma análise errada do diagnóstico que não deve ser, como tem sido, um exercício a olhómetro. Não
agir e “deixar andar” é uma escolha política — e uma escolha que arrisca hipotecar o futuro do setor. O turismo madeirense precisa de coragem,
gestão séria e planeamento estratégico. Planear não é travar. É garantir que, daqui a vinte anos, a Madeira continua a ser um destino de excelência
e não um triste exemplo de como destruir, por incapacidade e miopia estratégica, aquilo que a tornava única.