Para lá da luta partidária
Os tempos que vivemos inquietam-me. O espaço público, desde os cafés às redes sociais, está cada vez mais marcado pelo ódio sem sentido, pela raiva não identificada, pelas ofensas pessoais sem razão. E a política, liderando pelos piores exemplos, está capturada por discursos fáceis, abordando questões complexas de forma simplista, sem apresentar soluções. Assistimos a estratégias de curto prazo, numa lógica de confronto permanente, executada por egos inchados.
O populismo, assente na mentira constante, por um lado, e a desvalorização da verdade, por outro, a encenação para ganhar votos e a indiferença ética, estão a destruir a nossa democracia e a sã convivência em comunidade.
A isto soma-se a manipulação da informação, a maledicência promovida nas redes sociais, as campanhas orquestradas de difamação pessoal e os frequentes assassinatos de carácter. Sei do que falo, porque tenho sido um alvo. Tornou-se prática comum atacar pessoas em vez de ideias, destruir reputações em vez de discutir propostas, transformar divergências legítimas em ódios viscerais. Esta degradação do debate público só beneficia quem quer dividir para governar e quem se alimenta do caos como forma de ter mais votos.
O que se passa nas redes sociais é particularmente preocupante: algoritmos que favorecem o que choca, perfis falsos usados para alimentar a desinformação, e uma cultura de impunidade que transforma o insulto e a mentira em instrumentos políticos.
Mas este não é apenas um problema de estilo ou de comunicação. É uma questão que abala o nosso compromisso coletivo com a democracia. Quando se relativiza a importância da ética, quando se despreza a necessidade de transparência, quando se desconsideram os valores da solidariedade, da justiça social e da verdade, a própria democracia começa a definhar.
Faço esta reflexão, num momento em que o Partido Socialista, aqui e no resto do país, obteve resultados eleitorais longe dos esperados. Mas limitar a análise a uma questão de votos seria redutor. O que está em causa é mais profundo e vai além das razões que levaram o PS a ter derrotas claras. É necessário pensarmos o que está a acontecer à nossa sociedade e à nossa democracia. Muitos protagonistas políticos andam a tentar, e estão a ser bem sucedidos, que se perca a essência da política e o seu verdadeiro propósito: servir as pessoas com verdade, integridade e sentido de missão.
Reverter este caminho não se faz com fórmulas mágicas. Exige, antes de mais, coragem moral e não oportunismo ou calculismos. Coragem para dizer que não vale tudo. Coragem para ouvir mais e falar menos. Coragem para colocar a ética no centro da ação política, mesmo quando isso implica perder votos no imediato. Exige também lideranças com capacidade de resgatar o valor da palavra e do compromisso.
É urgente recuperar, na política e na nossa vida em comunidade, valores como o da bondade, da compaixão, da empatia, do respeito e da responsabilidade. É preciso devolver, particularmente na política, a dimensão humana. E isso não se faz com promessas eleitorais ou vídeos no tiktok. Faz-se com exemplo ético, com verdade e com coerência.
No nosso país, e ainda mais na Madeira, com um partido que governa a Região há quase 50 anos e que é acompanhado no populismo por outros partidos da oposição, precisamos de um pacto que vá além das lutas partidárias. Um pacto onde a decência volte a ser um ativo político, onde o respeito pelo outro seja regra e não exceção, e onde os cidadãos sintam que a política não é um jogo de interesses, mas uma missão de serviço. E tudo isto é muito mais importante do que qualquer resultado eleitoral. Mais do que uma lógica de sobrevivência partidária, o que está em causa é a sobrevivência do regime democrático e das pessoas decentes.