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O país dos D. Sebastiões

“o mister de recordar o passado
é uma espécie de magistratura moral (...)
Exercitem-no os que podem (...);
porque não o fazer é um crime.”

ALEXANDRE HERCULANO

Faz, em Agosto deste ano, 447 anos que morreu D. Sebastião.

O menino rei que, com o seu fervor religioso e militar, decidiu encetar uma cruzada, por sinal e entre outras razões – ou contradições – para ajudar um sultão, naturalmente muçulmano.

Morto (ou inicialmente desaparecido, segundo outros) a verdade é que a circunstância deu origem a uma das situações mais graves (senão a mais grave) do país, que acabou por ser integrado, durante 60 anos, no reino de Espanha.

Mesmo assim e porque cada povo é como é, D. Sebastião, verdadeiramente “o imprudente”, acabou por tornar-se “o desejado”, sujeito primacial de uma lenda que sustentava que seria o messias nacional e que retornaria para ajudar Portugal nas suas horas mais complexas.

E como ao longo da História desde o século XVI, assim tem vivido este país, à beira-mar plantado, nos últimos anos.

Com uma regularidade extraordinária e contrariamente ao “ei-los que partem”, de Manuel Freire ... “ei-los que aportam”!

Velhos e novos, também como nos canta aquele, mas não de “esperança em riste”, outrossim “inchados de certezas”, sendo as maiores a de se assumirem como impolutos e salvadores da pátria.

Quais seres que se assumem únicos, num universo nacional que categorizam (ou veem como) de incompetentes e corruptos, entre outros adjetivos do mesmo teor com que rotulam os políticos que o assumem ser, como se estes fossem portadores de algum vírus pandémico exclusivo.

Estranho país este, de facto. Em que, de quando em vez, surge alguém com um fervor similar a D. Sebastião (e porventura tão imprudente quanto este) e em que o povo, esquecendo o mal subjacente a atitudes desse teor, quase os diviniza. Por má ou falta de memória, ou por falta de conhecimento e/ou crendice a mais.

E depois, afinal, quando se ganha consciência do que se faz ou do que se permitiu que se fizesse, aqui d’El Rei. Foi assim em 1917/18, com Sidónio Pais e depois de 1926, com Oliveira Salazar, momentos em que (ou a partir dos quais) se viveram também períodos de má memória. Memória cujo valor histórico, apesar de acreditarem em Dons Sebastiões, muitos desvalorizam (ou renegam como lição) porque a consideram irrepetível nas suas grandes linhas e tendências, quando, afinal e se o demonstra, “que las hay, las hay”. E basta comparar, mesmo que em contexto diferenciado, as grandes linhas e tendências que conduziram ao que sucedeu então, com o que agora se observa, com os atuais Dons Sebastiões nacionais.

Da minha parte e enquanto Madeirense, que me assumo e me prezo de ser, constato ainda um outro dado da maior importância. É que o desejo maior, de todos estes sebastiões, é, definitivamente (não comer, como o da canção infantil, mas) mandar em tudo e em todos.

E a Autonomia da Madeira só é verdadeiramente possível se, “entre as pontas do Pargo e de S. Lourenço, mandarem os que estão cá dentro”.