Nunca a Madeira teve um ministro num Governo da República?
O novo Governo da República, liderado por Luís Montenegro, não inclui qualquer madeirense, o mesmo acontecendo com naturais dos Açores. Esse foi um dos aspectos negativos que Maximiano Martins, histórico do PS-Madeira e comentador da RTP-M, identificou no novo executivo da República.
No espaço de comentário no referido canal de televisão, na última segunda-feira, Maximiano Martins foi claro: “A Madeira nunca teve um ministro em quaisquer governos.” Será que não, ou terá havido algum que escapou à análise do comentador?
Antes de partirmos para a verificação dos factos, deixamos o contexto da afirmação de Maximiano Martins, relevante que é para a avaliação final. O comentador apontou aspectos positivos e negativos ao novo Governo de Luís Montenegro. Nesse âmbito, verificou: “As regiões autónomas, Açores e Madeira, não têm lugar entre 60 membros do Conselho do Governo, nem ministros, nem secretários de Estado. Isso tem um significado. Não devemos ignorar. Aliás, a Madeira nunca teve um ministro em quaisquer governos.”
Vejamos então a realidade. Como também referido, Cláudia Monteiro de Aguiar era secretária de Estado das Pescas, mas não foi reconduzida no cargo.
No que respeita a secretários de Estado, a história é conhecida, tendo a Madeira registado vários. O primeiro foi do CDS. Baltazar Gonçalves foi secretário de Estado do Turismo, em 1978, num Governo Liderado por Mário Soares.
Correia de Jesus do PSD foi secretário por duas vezes, em Governos de Cavaco Silva, em 1985-87 com a tutela dos Assuntos Parlamentares, e em 1987-91 das Comunidades Portuguesas.
Bernardo Trindade também foi secretário de Estado do Turismo, mas num governo liderado por José Sócrates.
Mais tarde, noutro governo socialista, agora liderado por António Costa, Paulo Cafôfo foi secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.
E, finalmente, durante o último ano, Claudia Monteiro de Aguiar foi secretária de Estado das Pescas.
Vejamos agora, mais concretamente, os ministros. Comecemos pelo ‘quase ministro'.
Em 2004, Durão Barroso deixou o Governo de Portugal e partiu para Bruxelas para assumir a presidência da Comissão Europeia. Havendo uma maioria absoluta na Assembleia da República, o presidente Jorge Sampaio decidiu empossar primeiro-ministro Santana Lopes.
Mas as coisas correram mal. Uma das soluções de Santana Lopes, para tentar remediar o que corria mal, foi convidar o madeirense Miguel de Sousa para ministro do Desporto.
Na altura, o próprio Miguel de Sousa confirmou: “Aceitei o convite e estava disposto a sacrificar a minha vida pessoal para ajudar o Dr. Santana Lopes e o meu País.”
Mas Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições legislativas sem que Miguel de Sousa tenha chegado a tomar posse como ministro.
Olhemos agora para quem chegou a ser ministro
José Manuel Medeiros Ferreira foi ministro dos Negócios Estrangeiros no I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares.
Medeiros Ferreira é apresentado como natural dos Açores, de Ponta Delgada. Mas a verdade é que nasceu em Santa Luzia, no concelho do Funchal, em 20 de Fevereiro de 1942. No entanto, foi levado para os Açores e registado naquelas ilhas.
A naturalidade de Medeiros Ferreira é, de facto, madeirense. É um madeirense no sentido de ter nascido na Madeira.
Vejamos outro caso.
Luís Filipe Marques Amado nasceu em Leiria (Porto de Mós) a 17 de Setembro de 1953, mas foi na Madeira que o seu percurso pessoal e político se destacou. Casou-se com uma madeirense, foi professor de Matemática na Escola Horácio Bento Gouveia, foi vereador da Câmara do Funchal e deputado na Assembleia Legislativa da Madeira. Também foi quadro da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas.
Em Outubro de 1995 estreia-se num Governo da República, como secretário de Estado Adjunto da Administração Interna. Nesse ano, foi eleito deputado à Assembleia da República pelo círculo da Madeira, nas listas do PS. O outro deputado do PS eleito foi António Trindade.
Mas, quando em Março de 2005 se tornou ministro da Defesa Nacional, havia sido eleito deputado pelo círculo de Viana do Castelo, onde fora cabeça-de-lista pelo PS. Mais tarde foi ministro dos Negócios Estrangeiros e, mais tarde ainda, voltou à pasta da Defesa.
Luís Amado, pelo percurso referido, pode ser considerado madeirense, no conceito de madeirensidade defendido pelo académico da Universidade da Madeira, Paulo Rodrigues. O conceito, além das questões geográficas, da origem, considera aspectos como a vivência prolongada numa região, a participação política, cívica e cultural, a ligação afectiva ou simbólica ao território e o reconhecimento pela comunidade.
A avaliação da veracidade da afirmação de Maximiano Martins não é fácil. Por um lado, o madeirense por local de nascença, que foi ministro, não foi madeirense em qualquer outro critério. Por outro lado, o madeirense no conceito de madeirensidade, que também foi membro do Governo, não nasceu no arquipélago. Há um último aspecto a considerar. O ponto central da afirmação de Maximiano Martins era a desconsideração pelas Regiões autónomas.
Pelo exposto, avaliamos a afirmação como imprecisa.
Só uma nota final. O último ministro de um Governo de Portugal sem qualquer dúvida madeirense foi Manuel Gregório Pestana Júnior. Como nos lembra o ‘Cultura Madeira’, ‘licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1910, e assumiu vários cargos políticos na sua longa carreira, designadamente, administrador do concelho do Funchal; deputado pelo círculo eleitoral do Funchal e de Lisboa à Assembleia Constituinte; deputado no Congresso da República; vereador da Câmara Municipal de Lisboa e Ministro das Finanças no governo presidido por José Domingues dos Santos (entre 1924 e 1925).”
Depois regressou à Madeira, onde exerceu advocacia e combateu a ditadura de Salazar.