Greve: Direito ou “Pontapé” na Autonomia da Madeira?
A greve é, sem dúvida, um dos pilares do Estado de Direito democrático, consagrado na Constituição da República Portuguesa como direito fundamental dos trabalhadores. Não obstante, num passado recente, tem sido aplicado em Portugal com abusos reiterados e desproporcionais. Abusos que passam pela marcação de greves por tempo indeterminado, que podem durar anos; ou greves sem determinação de serviços mínimos e sem contemplar a segurança e manutenção de equipamentos e instalações, que têm sido marcadas em setores importantíssimos da nossa economia, com especial impacto no setor dos transportes aéreos, rodoviários e aeroportuários, mas também em setores críticos como a Justiça e a Saúde.
Não se contesta o direito à greve, mas sim a forma por vezes leviana e descuidada com que, no passado recente, a ela se tem recorrido, e comprime ilegitimamente, não só outros direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à mobilidade, à educação, à saúde e, no caso da Madeira, pasme-se: à própria autonomia regional.
Fomos recentemente confrontados com um Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, que não só reverteu, em nosso entender mal, uma (douta e sábia) decisão do Juízo do Trabalho do Funchal, que julgou ilegal uma greve pela clara inobservância dos requisitos para o efeito, como foi mais longe, ao considerar que os órgãos do Governo Regional da Madeira, nomeadamente a Direção Regional do Trabalho, não dispunham de competências para receber o pré-aviso de greve. Aparentemente, nem a Secretaria Regional com a tutela pelo setor de atividade e a Secretaria Regional com tutela dos assuntos laborais não têm competências para proferir despacho a definir serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar, nem tão pouco o Ministério do Trabalho. Isto equivale, na prática, a assumir um vazio legal nesta matéria e a possibilidade de se marcar greves da Madeira sem a possibilidade de, legalmente, se determinar serviços mínimos.
Escusado será dizer que foi um choque ler estas palavras – na verdade “só não caí da cadeira”, mas é importante que os leitores em geral, e os decisores políticos regionais em particular, saibam que o Tribunal da Relação de Lisboa, na prática, recusou às autoridades regionais da Madeira qualquer tipo de competência com o Tribunal da Relação ao determinar que nenhuma autoridade regional tem poder ou competência para definir serviços mínimos e gerir os procedimentos de greve marcadas em território regional, colocando em causa o princípio da autonomia, consagrado na Constituição e no Estatuto Político-Administrativo da Região.
Esta decisão impõe uma reflexão mais profunda sobre o direito à greve e a colisão com os demais direitos, sendo que esta, em particular, ignora a realidade insular e as especificidades de um território ultraperiférico, onde a interrupção de serviços essenciais, como o transporte público, tem consequências muito mais gravosas do que no continente. A Madeira não pode ser tratada como uma mera extensão administrativa de Lisboa, sob pena de se desvirtuar o próprio conceito, pelo qual, nós madeirenses, tanto lutamos e aquele que é o Pilar Fundamental da nossa Região: A nossa Autonomia!