Malta rica, Madeira pobre - Por um sistema próprio de baixa fiscalidade
Uma fiscalidade própria deverá fazer todas as empresas pagarem igual IRC. Não deve ser assim?
É inadmissível ver o quadro ao lado e não perguntar: se não somos mais pequenos porque não somos tão bons?
Por incompetência? Não se importam de viver numa Madeira pobre?
Deve-nos fazer corar e ter vergonha. Pelo menos por não tentarmos escapar à penúria financeira. Desculpem a minha ousadia mas considero, governos e oposição, todos culpados de falta de coragem para assumir risco. Se assim tivesse sido em 1980, não tínhamos criado a Zona Franca da Madeira ou CINM. Havia ambição. Não éramos funcionários públicos. Tentámos copiar outras experiências europeias, mesmo com a oposição de Lisboa. Queríamos mudança.
Passados 45 anos devíamos querer COPIAR o que é actualmente realizado com sucesso em situações semelhantes na Europa. Pelo menos isso.
Em 2014, por proposta minha, a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou sem votos contra, apenas com a abstenção do Partido Comunista, uma Proposta de Lei à Assembleia da República para fixação de um Sistema Fiscal Regional.
Na Assembleia da República foi votada, tendo “baixado” à Comissão de Finanças. Coincidiu com o último dia da legislatura pois o parlamento nacional foi dissolvido, o governo demitido e convocadas eleições nacionais.
Como consequência legal obrigatória, todas as propostas pendentes na Assembleia da República foram anuladas. Para todas elas havia que repetir o processo de proposta.
O que, neste caso, não foi feito pelo PSD-M nem por qualquer outro partido. Como que aguarda que alguém nela pegue.
De um ponto de vista autonómico, de nada serve ter competência orçamental sem poder fiscal. O governo regional fica senhor das despesas mas impotente nas receitas. É brincar ao jogo do poder.
Estamos no início de uma legislatura. Vamos ter novo programa de governo para discutir. A maioria, a estabilidade política por mais de quatro anos, o interesse público são suficientes para impor novas orientações globais para a Madeira.
Uma coisa é certa: é absurdo vivermos com a fiscalidade do continente em detrimento de sistema fiscal adequado às nossas características específicas. Tanto da economia como das famílias.
A Madeira, para ter um orçamento desafogado, com a administração pública a funcionar, as operações de manutenção a serem realizadas, os investimentos obrigatórios a serem feitos e a dívida a ser devidamente amortizada, entre outras necessidades, precisa receitas de três mil milhões de euros por ano. Mais cinquenta por cento do que tem agora. Metade da receita fiscal anual de Malta.
Ou seja, fazer metade da receita que Malta faz seria suficiente para pagar todo o orçamento da Madeira em 2024 e ainda acresceria, cerca de mil milhões de euros, para o que é imprescindível mas não podemos realizar por insuficiência financeira.
Faz enlouquecer de raiva saber que há uma oportunidade, de viver com desafogo financeiro e conforto social, não aproveitada pelos nossos políticos.
Eu sei que a maioria dos que lêem este meu texto vive com qualidade e alguma folga financeira. Principalmente os que têm bom emprego. Mas acreditem que o povo tem muitas dificuldades e que, por eles, vale bem a pena o risco de um programa difícil mas, se bem sucedido, compensador.
Não temos gente competente para pegar neste tema? É provável que não. Então contrate-se quem nos faça o trabalho de casa. Quase todas as grandes e especializadas tarefas destes 50 anos foram planeadas, projectadas e realizadas por técnicos e empresas do Continente. Não percebo porque, agora, não se recorre a quem sabe para nos ensinar o caminho.
Quando montámos a Zona Franca da Madeira foi com a ajuda técnica de americanos, suíços e ingleses. Nesse tempo, 1980, Jersey, Gibraltar, Man, etc., praças financeiras existentes, socorriam-se dos grandes auditores internacionais para manterem os seus sistemas fiscais e administrativos com a melhor eficiência. Nós, por força do nó que demos ao nosso Centro Internacional de Negócios temos um modelo obsoleto, podre, perseguido pela Justiça e sem qualquer credibilidade. E não queremos mudar. Ou não sabemos. Quem lida com este tema na SDM nunca foi chamado à Assembleia Legislativa para dar explicações. É puro secretismo. Não pode ser.
Desafio, quem quer que seja e saiba, a dizer quanto entra no orçamento regional vindo dos impostos cobrados no CINM. E que diga quanto vai para Lisboa e para os Açores. Vão ter uma má surpresa. Está errado.
E o valor que apresentam como receitas fiscais, de mil e duzentos milhões de euros, é ridículo quando comparado com seis mil milhões de euros em Malta.
Acresce que criámos dois sistemas fiscais que resultam em injustiça. As empresas madeirenses que estão fora do CINM pagam 14,7% de IRC, enquanto as registadas no CINM pagam 5%. Caricato é no Caniçal, dentro da vedação da Zona Franca, pagarem 5% enquanto fora desse espaço a taxa já é de 14,7%.
Um sistema próprio de baixa fiscalidade faz todos pagarem o mesmo e terem as mesmas condições. Não deve ser assim?
Eu fiz nascer a Zona Franca da Madeira em 1987, levando sete anos a convencer os governos de Mário Soares e Cavaco Silva. São 45 anos, o que mostra quanto “velho” e desajustado está o CINM. Nada está actualizado depois de tanto tempo.
Não queiramos ficar na lista dos que para nada serviram. Dos que conheciam a solução mas nem tentaram.
Dois aspectos cruciais:
1. A lei portuguesa já autoriza as Regiões Autónomas a terem os impostos reduzidos em 30%. Porquê 30% e não 50% ou 70%? Quem aprovou a redução de 30% (Assembleia da República) pode aprovar o que quiser. Assim, nada impede um IRC de 5%. O que nada alterará para as empresas agora registadas no CINM e que passariam para o regime geral, já que a taxa seria igual para todos.
2. Os melhores salários pagos no CINM não beneficiam da redução dos 30%, por estarem nos escalões superiores. Não é emprego de salário mínimo.
Afinal não é precisa a independência. Basta a vontade política da Assembleia da República.