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Gouveia e Melo, que surpresa

No dia em que escrevo este artigo, um dos segredos mais mal guardados da política recente é, finalmente, confirmado – Gouveia e Melo apresenta a sua surpreendente candidatura à Presidência da República.

Com os resultados eleitorais do dia 18 de Maio, os próximos episódios políticos andarão assombrados pela incógnita daquilo que a política portuguesa nunca chegou a conhecer, e a Presidência da República terá, necessariamente, que assumir um farol de sensatez, estabilidade, consciência e ponderação no exercício do mais alto cargo político.

Henrique Gouveia e Melo – filho político da pandemia Covid-19 – quis que a sua candidatura fosse um irremediável destino, ainda que isso configurasse um opróbrio às suas próprias palavras, às suas vontades antepassadas, e à sua forma de estar já esquecida.

Disse Gouveia e Melo:

“Se isso acontecer [entrada na vida política], dêem-me uma corda para me enforcar”; “A democracia não precisa de militares.”;

“Não gosto que me imiscuam na área política. Sou militar e não tenho intenção no futuro de me candidatar a nada. Isto é um não. Quando eu digo não é não.”

Um pavão aclamado pelas sondagens – as mesmas que ainda agora falharam – desfila pelas ruas como um algoz que vem dilacerar os homúnculos pertencentes à elite política, ostenta nas suas intervenções uma superioridade intelectual que, para si próprio, é distintiva dos restantes terráqueos que, nas trincheiras de um submarino, não passaram além da Taprobana.

A ambição de uma candidatura como esta, ancorada numa lista infindável de esqueletos políticos que o rodeiam como apoiantes orgulhosamente aclamados por oposição a uma classe mediática – não deixando explícitas as suas verdadeiras motivações nem tão pouco avançando com discerníveis razões para o fazer –, é proporcional à falta de adesão que Henrique tem às palavras de Gouveia e Melo.

O confirmar de uma vontade há muito escondida, mas há muito percebida, é também a confirmação de que, em política, nem um militar – com valores e princípios, alegadamente, rígidos, exigentes, rigorosos e disciplinados –, é capaz de cumprir o que prometeu – miserável serviço que presta à democracia e à classe política, se é que o próprio se enquadra na respetiva área à qual disse não querer ser associado, mas que agora quer vingar.

Acontece que durante os próximos meses Gouveia e Melo terá oportunidade de partilhar a sua visão em relação ao Mundo e a Portugal, excluindo de preferência o seu pensamento sobre a Defesa – esse já todos nós conhecemos. Há, de resto, mais uma erteza: a que esta candidatura procura protagonizar – a oportunidade de eleger o estandarte da libertação de uma casta política adormecida, beneficiando para esse feito de uma aguda fúria vinda do chamado povo contra o estado atual de coisas.

Um militar tem sim o direito, revestido de toda a legitimidade, de se candidatar à Presidência da República, e com isso não deverá haver qualquer espécie de celeuma. O ponto fundamental é quando a imagem militar de um homem é instrumentalizada para ganhos políticos, sobretudo quando acompanhada de uma ladainha típica de um proto-Cícero que procura locupletar-se por via da imagem de um bando de monges – leia-se, políticos – cada vez mais decrépitos, lunáticos e de acentuada mediocridade, cavalgando, para isso, a ideia de rigidez e seriedade que lhe foi permitida difundir através de responsabilidades atribuídas pelo mesmo bando de monges que agora quer enfrentar.

Eanes é singular. O povo julgará.