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Ler em tempos de scrolling

Contudo, coloca-se a pergunta: serão os incentivos à leitura suficientes? Importa, também, redefinir o conceito de leitura

Num mundo onde vídeos de 15 segundos moldam o quotidiano digital e o scroll substitui o virar de página, a leitura enfrenta desafios inéditos. A cultura do imediatismo, do entretenimento fácil e do consumo domina o nosso tempo livre - e contamina até os momentos que exigem presença. Plataformas como o TikTok e o Instagram impuseram um novo ritmo à vida, deixando pouco espaço para o silêncio e para a concentração que a leitura exige. O prazer da leitura, que requer tempo, introspeção e continuidade, entra em conflito com a lógica da recompensa imediata promovida pelos algoritmos no digital. Nessa dinâmica, a atenção, um dos bens mais valiosos na era digital, é constantemente fragmentada, dificultando o envolvimento com narrativas e textos mais densos. Ler, hoje, exige quase um ato de resistência: uma escolha consciente de desacelerar, aprofundar e refletir num tempo marcado pela velocidade.

Um estudo recente da Universidade Católica revela que 86,6% dos jovens entre os 18 e os 34 anos leram pelo menos um livro no último ano, e 44,4% destes leram mais de cinco livros. A leitura continua a ocupar um espaço relevante na vida dos jovens - mesmo com a presença esmagadora dos ecrãs - dados que desafiam a narrativa alarmista de que os jovens deixaram de ler.

Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros - APEL, a faixa etária que mais compra livros em Portugal é precisamente dos 25 aos 34 anos. Esta tendência pode estar relacionada com o maior acesso às plataformas digitais, que democratizam o acesso a livros através de e-books e audiolivros, mas também com a sua busca crescente por equilíbrio entre vida profissional, lazer e enriquecimento pessoal. Em plena era digital, os livros persistem como âncoras de reflexão, pensamento crítico e imaginação.

Contudo, coloca-se a pergunta: serão os incentivos à leitura suficientes? Importa, também, redefinir o conceito de leitura. Com o avanço tecnológico, o ato de ler diversificou-se. Já não falamos apenas de livros físicos: audiolivros, e-books, newsletters e até podcasts que se tornaram parte de novas formas de leitura. A leitura, de facto, migrou para formatos mais fragmentados, mas isso não significa necessariamente uma perda de qualidade ou de profundidade em todos os casos. Plataformas como o TikTok, por meio de comunidades como o BookTok, têm desempenhado um papel relevante na formação de novos leitores, influenciando tendências de mercado e ampliando o acesso a livros e autores antes pouco conhecidos. Trata-se de consolidar uma cultura em que ler seja valorizado socialmente, não como exceção ou dever académico, mas como um hábito saudável e desejável.

As escolas e as universidades têm um papel determinante nesta transformação. Devem apresentar a leitura não como uma obrigação curricular, mas como uma atividade prazerosa e significativa. Projetos como clubes do livro, encontros com escritores, eventos de storytelling, desafios literários nas redes sociais ou integração da literatura com a arte são estratégias eficazes para aproximar os mais novos dos livros. Eventos como o Book 2.0, promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, trazem para o debate o papel da inteligência artificial, da transição digital e da sustentabilidade no futuro da leitura e do setor editorial, adaptando o setor às novas exigências sociais e tecnológicas.

A leitura não está em vias de extinção - está em reinvenção. Porque, num tempo de excesso de informação e distrações, a leitura continua a se reinventar, adaptando-se às novas formas digitais de consumo de conteúdo.

No episódio desta semana do Peço a Palavra, colocamos a leitura a discussão, e conversamos com Rui Couceiro, editor da Contraponto, do Grupo Bertrand, que partilhou connosco a sua experiência e visão transversal como leitor, autor e editor. A conversa será emitida na antena da TSF 100 FM Madeira e em podcast.