O Papa Francisco e a Música
Enquanto o Mundo se está a despedir do Sumo Pontífice, e a tentar efetuar uma retrospetiva da sua atividade e da influência tanto na Igreja Católica e nos cristãos como na humanidade em geral, deve também ser referida e destacada a sua apreciação da música, em todos os seus aspetos, e a sua visão da função da música na vida quotidiana, na vida espiritual e na vida da Igreja.
O Papa Francisco sempre enfatizou a importância da música, e particularmente a sacra, como uma ferramenta poderosa para a unidade, paz e crescimento espiritual. Acreditava que pode ajudar às pessoas a se ligarem umas às outras e a Deus, promovendo o sentido de comunhão e amor. Encorajava a participação ativa dos crentes na música utilizada na liturgia, através da atividade coral nas paróquias.
Tal como é comummente entendido, considerava a música uma linguagem que transcende barreiras linguísticas e culturais, com a capacidade de chegar aos corações de todos. Falava sobre a alegria que a música pode trazer, ajudando afastar as sensações de infelicidade e tédio. Enfatizava a importância da harmonia na música, não apenas no sentido musical mas também interpessoal, enquanto construtora de pontes entre as pessoas, promovendo entendimento e empatia.
Já no âmbito da música sacra, encorajava a integração da música e do canto na liturgia, acreditando que tem a capacidade de elevar a alma aos níveis superiores da oração e da contemplação espiritual, inspirando o aprofundamento do amor do Cristo.
O Papa Francisco fez inúmeras intervenções debruçando-se sobre a importância da música, o seu significado na vida tanto dos crentes como em geral, e especialmente na vida dos jovens. Caracterizou a música como “uma ferramenta para a Paz” que promove a coexistência. Falando da violência no mundo, referiu-se à realidade em que “muitas crianças não podem cantar”, não por não terem a capacidade, mas porque estão a “chorar e sofrer das muitas injustiças no mundo”. “As guerras destroem as crianças,” avisou, e disse que o que gostaria mais é “ver aqueles que se odiavam a apertarem as mãos, a se abraçarem e dizerem com a sua vida, música e canto: a paz é possível!” Dizia também que espera que a música “abra o coração para a harmonia, para a alegria das pessoas estarem juntas, perante a linguagem e entendimento partilhados, comprometendo-nos para um mundo mais justo e fraternal”.
Ainda no ano passado falava sobre a capacidade da canção e da música de tocarem nos corações dos jovens, safando-os da espiral de ansiedade e trazendo-os mais próximos de Deus. “Há muita necessidade para a alegria no mundo”, ressalvou, e a música pode trazer a beleza e restaurar a vontade e esperança da vida.
Costumava citar o ditado de S. Agostinho: “Aquele que canta, reza duplamente”. Por isso, insistia que os coralistas nas igrejas têm o papel especial, o de ajudar os outros a rezarem através da sua oração cantada. “Cantar é um ato de amor, e, ao cantar, rezamos com as palavras e a música, com o coração e com a voz, com a devoção e com a arte”.
Segundo Francisco, “a dedicação à liturgia e à sua música representa uma via de evangelização a todos os níveis e idades. Efetivamente, a liturgia é a primeira ‘docente’ de catecismo”. Evocando a referência de Motu Próprio sobre a música sacra, de 1903, do Papa Pio X, Francisco continuou a defender a necessidade de existirem três qualidades na música litúrgica: a beleza, a santidade e a universalidade. “Música bela e de boa qualidade é uma ferramenta privilegiada para nos aproximarmos ao transcendental, e frequentemente ajuda até àquelas pessoas distraídas a entenderem a mensagem,” disse. Quem podia discordar disso, seja essa música sacra ou não?
E não é de admirar que este Papa, que antes de tudo foi um ser humano verdadeiramente universalista, gostava de estilos e géneros musicais mais diversos: a sua coletânea incluía obras desde Bach, Mozart, Beethoven, Wagner e Pärt, ao trio operático Il Volo, Edith Piaff e temas gospel de Elvis Presley. Adorava o tango argentino, tanto de Azucena Maizani (a quem deu a unção dos enfermos) como de Astor Piazzolla e, às vezes, ia sozinho para uma loja de CDs em Roma para procurar algo de especial.
Finalmente, invocava a imagem alegórica da Igreja Católica enquanto um coro, em que cada elemento dá a sua contribuição única para criar um todo harmonioso, a beneficiar a inteira comunidade.