Amêndoas e torrões de açúcar
A ementa, fosse Páscoa ou um domingo comum, mudava pouco numa casa onde o melhor estava no galinheiro
Lá por cima, no Laranjal, o domingo de Páscoa era, antes de mais, um domingo, o que dava, só por si, para um almoço melhorado, com primeiro e segundo prato e sobremesa. Não se comia assim sempre, mas a minha mãe gostava de nos alimentar de outra maneira, de passar mais tempo na cozinha e, às vezes, até tirava a loiça e os copos do aparador, que merecíamos todos o prazer de comer em pratos bonitos.
A ementa, fosse Páscoa ou um domingo comum, mudava pouco numa casa onde o melhor estava no galinheiro, de onde vinha um galo gordo, que dava para o jantar do sábado de Aleluia e o almoço do dia seguinte, com canja e um guisado a preceito. A única vez que comemos cabrito foi a minha tia Conceição que fez e fomos à mesa em casa do meu avô desconfiados. O costume era outro e ninguém gostava de arriscar, nem na carne, nem no peixe e menos ainda se nos parecesse esquisito.
Lembro-me de que não ficou nada no prato, a receita era boa, mas, no fim, o comentário foi mais ou menos este: “não estava mal, mas não tira o lugar ao nosso guisado”. E isso era o que nos deixava mesmo felizes e satisfeitos, mais ainda se, no fim, viesse de sobremesa gelatina de morango, o pudim de pão e a salada de frutas. Ao café a minha tia Teresa servia sempre uma fatia grossa de bolo preto e dava a impressão de que não se ia conseguir digerir tudo.
A tarde iria mostrar que, afinal, havia espaço para mais umas amêndoas e uns torrões de açúcar, para voltar a comer bolo preto e levar mais bocadinho de pudim num assalto sorrateiro ao frigorífico. E como a programação não era melhor na televisão, mesmo depois de Cristo ressuscitar, as memórias do domingo de Páscoa vão sempre dar ao quintal. Ao da minha casa onde a Primavera se mostrava em grande, nas flores do jardim, nas flores das laranjeiras, na mistura caótica de cor e aromas feita à imagem da minha mãe.
O meu domingo de Páscoa também passava pelo quintal da casa do meu avô, esse lugar mais antigo, com glicínias antigas que nunca falhavam a floração e o abacateiro grande, as anoneiras carregadas e as ameixeiras em flor. E a minha tia Teresa, com os seus chocolates, os saquinhos de amêndoas e os torrões de açúcar dentro da gaveta do armário da sala de jantar. Às vezes o dia acabava ali, em cima do terraço, a ver o sol pôr-se para os lados do Jamboto num céu vermelho a prometer bom tempo.
Ou então ia dar à varanda da minha tia Alice, um quintal arrumado e ordenado, com orquídeas de todas as cores e vasos de azáleas em flor. Dali víamos os carros passar, a minha prima Ana e eu, falávamos de moda, de maquilhagem e perfumes ou de filosofia. A minha prima Ana gostava de filosofia, de francês e matemática e sabia combinar roupa e as sombras dos olhos como ninguém e fui com ela que aprendi o que sei sobre esses assuntos, nesses domingos a ver passar carros ou sentadas nas cadeiras de ferro da varanda com vista para a baía.
A Páscoa não trazia o entusiasmo do Natal, mas, a mim, quando penso como era, lá por cima, no Laranjal da adolescência, traz-me memórias de tardes soalheiras, jardins cheios de flores, de almoços de galinha guisada e lanches de pão com queijo e bolo preto, de saquinhos de amêndoas e de todas as mulheres com quem cresci: a minha mãe, as tias e a prima.