Ensaio sobre a ética no desporto
Diz-se que é durante a infância que se constrói a visão do mundo, sendo esta construção influenciada pelo contexto familiar, escolar e cultural, com as experiências emocionais a desempenharem também um papel.
Foram os meus pais que moldaram a minha educação. Foi mais através do exemplo que fui construindo a minha realidade, pois de alguma forma, em tantos detalhes que me assolam agora o baú das memórias, transmitiram esta necessidade de tentarmos ser a melhor versão de nós mesmos. No que quer que fizéssemos. Mas sempre balizado pela nossa capacidade. E sem nunca entrar em comparações. Fosse na escola, nas brincadeiras ou no desporto.
O desporto tende a surgir na vida de uma criança a partir dos 7 anos. É neste período que a mesma tem contacto com conceitos como regras, justiça, o mérito do outro. No fundo, será a idade ideal para a ensinar o jogo limpo, para trabalhar a aceitação da derrota, para reforçar o valor do esforço acima do resultado e para criar um ambiente saudável no contexto desportivo. Aqui, os mentores têm uma influência fundamental, na medida em que se constituem como modelos éticos, pois transmitem valores através do que dizem, como corrigem e como reagem ao resultado.
Os meus primeiros treinadores foram os meus pais e o meu irmão mais velho. Foram eles que, durante a minha infância escolar, dos 8 aos 11 anos, pacientemente, introduziram-me no mais fascinante desporto que alguma vez pratiquei, o windsurf. Mais tarde, seria o meu treinador a assumir essa função, que cumpriu religiosamente durante 33 anos seguidos. A forma como o fizeram, a peculiar abordagem que tinham ao desporto, moldaram a minha forma de viver todos os momentos passados no oceano. Assim, o desporto passou a ser o instrumento para uma vida com significado.
A competição desportiva é o palco por excelência para que todo e qualquer atleta se revele, com tudo o que tem e tudo o que é. Ainda que numa fase precoce, quando a identidade ainda se encontra em fase de construção, sejam mais as dúvidas do que as certezas que assolam a mente, ela traz à tona da água o que foi interiorizado.
Na minha primeira competição tinha 11 anos. Não terminei. Não consegui. Fiquei sem forças naquela interminável segunda volta. As mãos ardiam insuportavelmente e o apelo para voltar para o clube, foi irresistível. Chorei baba e ranho nesse trajecto até terra seca. Ninguém me criticou. Não fui alvo de troça. Senti até compreensão. Mas jurei naquele dia nunca mais desistir de uma regata por aqueles motivos!
O desporto contemporâneo vive da idolatração dos seus expoentes máximos, transformando-os muitas vezes em produtos, ofuscando o seu lado humano. Esta cultura, exerce uma pressão sobre os atletas, muitas vezes empurrando-os para o impensável. Doping. Manipulação de resultados. Desrespeito pelos colegas, pelo treinador, pelos árbitros, pelas regras do jogo.
Quando comecei a competir internacionalmente, corria o ano de 1987, a base ética e moral que me havia sido incutida era de tal forma sólida que, pese embora adorasse ter bons resultados – e foi por eles que pude manter uma carreira desportiva durante décadas – o que me movia era esta busca incessante pela perfeição. Do gesto, do esforço, do pensamento. Que, tal como uma pedra que cai no charco, espalhava as suas ondas para outras dimensões da minha vida.
Não pense o leitor que o percurso não teve tropeções. Mas se de alguma forma posso olhar tranquilamente para trás, sem manchas, deve-se àquelas pessoas que me educaram nos primórdios da minha existência. A eles, o meu muito obrigado.