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Adolescência

A nova série da Netflix “Adolescência” aborda, o tema “incels”, celibatários involuntários. Os “incels” são jovens do sexo masculino que se sentem rejeitados ou ignorados por jovens mulheres, assim como incapazes de as conquistar. Por isso culpabilizam-nas e assumem uma identidade de ódio, integrando um movimento, através de chats e fóruns, cada vez mais acessíveis nas plataformas online. Os grupos têm códigos e quem entra é para ficar. A “ideologia incel” centra-se na crença de que a atração física é o fator determinante primordial para o sucesso romântico e sexual de uma pessoa.

A identidade assumida afasta-os das experiências comuns ao grupo de pares e das experiências individuais de sucesso e fracasso nas diferentes áreas do desenvolvimento. Reduzindo as relações interpessoais aos chats online dentro de grupos com as mesmas características, a tendência é potenciar o sentimento de fracasso e frustração focando nas mulheres o ódio que alimenta o seu sofrimento interno. No Reino Unido e nos EUA, este movimento tem criado grande preocupação porque surge associado a atos criminosos violentos, nomeadamente homicídios, individuais ou em série, culminando, em algumas situações, em atos suicidários, muitas vezes promovidos pelo próprio movimento.

A série explora ainda a realidade emocional das famílias quando descobrem a vida paralela dos filhos. Da negação à culpa estes pais assumem-se como pais presentes e afetivos aparentemente conhecedores das dinâmicas dos seus filhos, apesar do desconhecimento geracional das novas formas de comunicação. O tempo que os filhos passam fechados no quarto, ligados ao computador é sentido como um lugar seguro isento de perigos. Hoje, a realidade online é uma presença constante carregada de códigos e simbolismo difíceis de decifrar para quem não domina. Há uma realidade paralela na vida das atuais famílias.

A série que está muito bem conseguida, na forma e no conteúdo, obriga-nos a pensar que este não é um tema isolado nem circunscrito a um determinado país. É muito fácil disseminar novas ideologias e movimentos que atraem quem procura um lugar onde se sinta pertença. Não existe forma de eliminar os fatores que promovem esta tendência, a forma de agir mais eficaz é sem dúvida a prevenção.

Neste sentido o lugar da família é o de sempre: estar presente, promover a comunicação e a partilha de afetos. Mais do que apenas querer ensinar, estar disponível para aprender é a base de uma interação muito útil que facilita a passagem para a adolescência. Manter-se próximo e estar atento a sinais óbvios de mudança, que comecem a afetar a relação e a comunicação dos jovens com a família, com o grupo de pares assim como um afastamento progressivo das atividades que antes eram do seu agrado, é outro caminho a percorrer. Na dúvida pedir ajuda e orientação especializada é uma possibilidade de segurança. Não deve haver lugar para vergonha ou culpa, assumida ou incutida a qualquer uma das partes, a melhor resposta é estar presente.

A escola tem de mudar, atualizar-se e criar espaços mais abertos à interação e à partilha. Só num ambiente descontraído, com orientação, é possível aceder progressivamente à realidade dos adolescentes de hoje e assim poder intervir, quer em grande grupo quer em pequenos grupos com características especificas. É muito importante a escola perceber qual é hoje o seu lugar e largar o modelo clássico focado essencialmente na promoção do conhecimento. Percebo o argumento da falta de condições, mas este tem de ser um grande objetivo a curto prazo. O preço de agir devagarinho tantas vezes através de estratégias desconectadas com a realidade será muito maior do que a promoção urgente de investimento na mudança de paradigma.

A educação tem de ser atualizada e não pode ficar pendurada no discurso de que a escola ensina e a família educa. Temos de ser mais ambiciosos e aprender com o que à nossa volta vai acontecendo. Só assim podemos criar mudança e ser ativos na promoção da saúde mental.