Como educar para a violência
Com alguma autoreflexão, podemos concluir que a forma como somos educados, gera mazelas interiores, que condicionam a forma como vivemos as nossas relações, sobretudo as mais íntimas, até porque cunham o modo como nos relacionamos connosco próprios!
O título não é uma falácia. Vamos refletir juntos?! Tendencialmente, as vítimas de violência doméstica (homens e mulheres) foram educadas sob a batuta do autoritarismo. Só em Janeiro deste ano, foram assassinadas cinco mulheres, em contexto de violência doméstica. A mais jovem com 17 anos, a mais velha com 72. É portanto, muito óbvio, que alguma coisa está profundamente errada na nossa sociedade!
Desde que iniciei os meus estudos na neurolinguística e à medida que aprofundei a investigação na área da pedagogia e educação, associadas à neurociência e ao trauma, que sustento uma convicção muito forte. Acredito genuinamente que só quando aceitarmos que temos que levar muito a sério a forma como educamos e guiamos as nossas crianças, a forma como exercemos a nossa parentalidade, é que podemos transformar alguma coisa no mundo. Estamos constantemente a influenciar os nossos filhos. Quanto mais consciente e intencional for essa influência, melhor. Note-se que um pai, uma mãe conscientes não são perfeitos. A parentalidade não é uma competição onde existe pódio. É antes, um processo dinâmico onde nos podemos guiar pelas nossas intenções. É essencial assumirmos responsabilidade! Entendermos que existem demasiadas práticas educacionais, ditas ‘normais’ (mesmo quando a ciência já demonstrou o contrário!), que são recorrentes e perpetuadas sócio-culturalmente e que nos impedem de ver onde estão os erros. Portanto, partilho (brevemente) algumas atitudes “comuns”, que são erradas. A proposta é escrutinarmos o que andamos a fazer, como o estamos a fazer, e o que queremos, realmente, fazer. Qual é afinal, a nossa intenção? Enquanto isso não acontecer, estaremos a abrir portas à violência doméstica e a eterniza-la!
1. Tratar as crianças como se tivessem menos valor, menos dignidade;
No dia a dia, na família e na escola, esta é uma mensagem que passa continuamente! Adultos (como os próprios se assumem quando falam com as crianças!), ou seja, pessoas mais velhas, em posições “mais importantes” fazem crer que têm mais valor. As necessidades, as emoções, os desejos e as opiniões dos adultos valem muito mais, que as das crianças. A mensagem que passa é que quando se está numa posição de mais poder e de mais força física tem-se mais direitos!
Bem sei que às vezes é difícil praticar igual valor e dignidade, mas basta lembrar que o valor que sentimos que temos numa relação é essencial para o desenvolvimento da nossa autoestima e para a construção de relacionamentos saudáveis.
2. Adultos que usam a força física para corrigir, controlar e dominar as crianças;
Existe uma crença cultural perigosa e enraizada, que uma palmada (ou mais) na “hora certa”, leva a criança a perceber que há limites e que a paciência esgota. Este comportamento comunica, inconscientemente, que quando se é mais forte e quando se tem poder, é perfeitamente aceitável bater. Ora, isto é crime! Mesmo que seja um comportamento isolado. Recentemente, a procuradora jubilada Dulce Rocha lembrava o estudo científico que indica (entre muitas coisas) que as crianças que são alvo de castigos corporais (e emocionais) têm o organismo mais inflamado.
As crianças têm direito a crescer num ambiente seguro. A instabilidade e a insegurança física e/ ou emocional prejudicam o seu desenvolvimento, a sua autoestima e a sua capacidade de aprender.
3. A ironia, as ameaças e a agressividade que são utilizadas para corrigir, controlar e envergonhar as crianças;
A desculpa é: tudo em nome da “boa educação”. “Pensas que és quem?”; “Cala-te já!” “Estás a chorar sem razão, já te dou razões para chorares a sério!!”; “Vais apanhar!” “És burra ou quê?!”; “Oh ficou ofendidinha, a princesa!”; “És tão engraçadinha (num tom irónico)”… Expressões e formas de falar que criam feridas gigantes na autoestima, com consequências tremendas e que mais tarde serão, garantidamente, reproduzidas.
4. Utilizar castigos;
Este é um dos métodos mais utilizados. Quando as crianças não fazem o que os adultos mandam, ou seja, quando não obedecem, é comum acreditar-se que tem que existir uma consequência. Isto acontece porque não se confia suficientemente na lição da própria experiência e num diálogo sereno ao redor da mesma. Continua a não ser investigada a origem do comportamento, então, o foco está no lugar errado, na correção. Porquê? Porque existe uma crença que as crianças têm de saber “quem manda aqui!”, e só quando a criança se “porta bem” é que merece amor e compaixão. Crenças que vão ser reproduzidas em todas as relações.
Isolar a criança num lugar para que ela “pense no disparate que fez”, o famoso time-out é também uma forma de castigo. Pode resultar (mas só naquele momento), e à custa de quê? (A neurociência já demonstrou as consequências! Há outras formas, saudáveis!) E mais: isolar uma criança é um ato psicologicamente violento e contra a convenção das Nações Unidas!
5. A criança é merecedora pela forma como é tratada;
Esta mensagem passa quando é utilizada linguagem como: “Assim não gosto de ti!”; “Dói-me mais a mim do que a ti!”; “Só te castigo porque gosto de ti!”; “Não queres dar um beijinho ao tio, és muito feia, ele fica triste e já não gosta de ti!”
É assim que se transmite, inconscientemente, a mensagem que quem nos ama, magoa-nos! Associarmos a dor (física e emocional) ao amor é muito perigoso! Muitas vítimas de violência doméstica vivem com esta crença, que tem vindo a aumentar no namoro. Adultos deste mundo: É urgente praticar sobre responsabilidade pessoal e respeito pela integridade!
6. Ausência de amor incondicional;
Já sei que a maioria do pais diz sentir amor incondicional pelos seus filhos. Mas uma coisa é sentir, outra, bem diferente, é praticar e demonstrar com gestos. O amor é muitas vezes utilizado como uma moeda de troca, quando a criança obedece ao adulto, recebe, quando não obedece, é-lhe retirado.
O nosso mundo seria bem diferente se ensinássemos às crianças que elas têm valor apenas pela sua existência, e não pelos seus comportamentos e aparência! É que quando ela é amada incondicionalmente, desenvolve uma autoestima forte e sente-se bem. E a fórmula é simples: quanto melhor nos sentimos, melhor nos comportamos. Uma criança que recebe amor incondicional sente empatia, confiança, segurança.
7. Conjungar ameaças, chantagens e castigos com promessas, subornos e recompensas;
São o pão nosso de cada dia na educação convencional. “Come a sopa para ficares forte. Ah e se comeres a sopa podes comer um gelado a seguir!”; “Se não comeres a sopa não te dou o gelado! Come já!”; “Tantos meninos a morrer à fome e tu não queres comer a sopa, que feio!!”; “Já estou a perder a paciência, levas uma lambada não tarda nada, se não comeres a sopa!..” Esta comunicação é incongruente, gera muita confusão, e é excelente para ensinar sobre manipulação.
Na relação generativa entre pais e filhos não significa que a criança vai conseguir tudo o que quer, significa apenas que a criança sente que é respeitada, vista, ouvida e reconhecida, incondicionalmente. Já agora, nas relações entre adultos, também!