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Crónicas

O bom, o mau e o ziguezague

Em honra da democracia, mas submerso no conforto de um artigo de jornal, Gouveia e Melo apresentou-se candidato à Presidência da República. Todavia, na política, a honra exige clareza. E clareza foi o que faltou. Entre o socialismo e a social-democracia, como se anunciou o antigo Almirante, cabe quase tudo e quase nada em simultâneo. É uma planície política tão extensa que parece desenhada pelo pragmatismo ideológico de quem procura agradar a todos e comprometer-se com ninguém. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas está na hora de lembrar ao Almirante que um uniforme imaculado não substitui uma proposta política clara para o país.

O bom: Emmanuel Macron

Com os ingleses fora da União Europeia e os alemães à saída de eleições que redesenharam a sua paisagem política, resta-nos a França e Emmanuel Macron. Foi nesse papel - de embaixador europeu - que o presidente francês contracenou, na Sala Oval, com Donald Trump. A aparente boa disposição entre ambos esconde um clima político cada vez mais tenso e um presidente americano progressivamente mais hostil aos seus aliados habituais. Primeiro, a ameaça de ocupação da Gronelândia, sonegando-a à Dinamarca. Depois a repetida advertência para a aplicação de tarifas aos produtos europeus. Por fim, o distanciamento gradual em relação à Ucrânia que conheceu o seu epílogo numa surreal votação nas Nações Unidas que colocou americanos, russos, iranianos e norte-coreanos do mesmo lado da barricada. Foi esta a missão impossível a que se propôs Macron: impedir o colapso da ordem internacional que se construiu das cinzas da 2ª Guerra Mundial e que, com altos e baixos, aguentou-se à conta de 75 anos de garantias de defesa militar oferecidas pelos Estados Unidos. Com uma personagem tão imprevisível como Trump, é difícil afirmar se Macron teve sucesso. Todavia, a simples imagem de um líder europeu enfrentar Trump, na sua própria casa, corrigindo as suas afirmações sobre o apoio da Europa à Ucrânia e afirmando, como fez Macron, que as relações internacionais não podem assentar na lei do mais forte, é uma lufada de ar fresco numa diplomacia europeia cada vez mais bafienta e burocrata. O continente que se habituou a viver sob o conforto militar americano pode estar prestes a descobrir, de forma abrupta, que o mundo mudou e que confiar, de forma cega, nos Estados Unidos já não é uma estratégia, mas uma vulnerabilidade.

O mau: Campanha eleitoral

A avalanche de cartazes partidários que se abateu sobre a Região, em especial no Funchal, é merecedora de profunda reflexão. A quantidade epidémica de propaganda torna difícil acreditar que estamos a 9 dias do início da campanha eleitoral. Se a isso juntarmos o conteúdo desses cartazes, a preocupação agrava-se: mais do que numa campanha, estamos embalados numa corrida para o fundo do poço. O PS deu o tiro de partida, com um cartaz eleitoral em que a cara de Albuquerque é maior que o símbolo socialista. O Chega seguiu-se-lhes de perto e pendurou cartazes em que meia-cara do presidente do PSD é ofuscada por notas de euros. A Iniciativa Liberal juntou os adversários num cartaz e chamou-os de irresponsáveis. Mas o que mais surpreendeu na habitual cacofonia da crítica partidária, é a disponibilidade do PSD para participar na pequena política, com um cartaz que é, simultaneamente, indigno e politicamente inexplicável. O que todos têm em comum é a curiosa escolha de fazerem política com os símbolos e caras uns dos outros. Com tanto protagonismo dado aos adversários, talvez se trate de um ensaio para o que aí vem: uma campanha de ataques ferozes, seguida de negociações com sorrisos forçados.

O ziguezague: Paulo Cafôfo

Da Rua da Alfândega, onde se situa a sede do PS, à Calheta vão cerca de 30 mil metros - curiosamente, o número aproximado de vezes que Paulo Cafôfo já mudou de ideias em relação a temas que antes defendia. Cafôfo já foi o príncipe dos políticos independentes, produto imaculado da sociedade civil e alérgico à filiação partidária. Acabou presidente, por mais do que uma vez, do Partido Socialista. Declarou-se reformado da política e regressou, com humildade espampanante, às aulas de História. Apenas seis meses depois, transformou-se milagrosamente em secretário de estado do governo de António Costa. O mais recente ziguezague de Cafôfo deu-se a propósito da prometida via rápida para a Calheta. Em 2021, na sua primeira encarnação como presidente do PS, Cafôfo anunciou a uma plateia de calhetenses que “não é uma via rápida que vai resolver os problemas da Calheta”. A curiosidade do anúncio terá tomado conta do público, certamente mais habituado a que os políticos anunciem o que se propõem a fazer e não o oposto. Não terá sido apenas pelo peculiar discurso de Cafôfo, mas nas eleições autárquicas desse ano o PSD registou, na Calheta, a sua maior vitória – 71% dos votos. Nada que dois pares de anos não resolvam. Em 2025, o mesmo Paulo Cafôfo, não só prometeu a via rápida que tinha afundado em 2019, como ainda lhe atribuiu efeitos multiplicadores na economia e a elevou a fator diferenciador na vida das pessoas. Dada a dimensão do ziguezague, Cafôfo fez o anúncio no Lugar de Baixo e não teve a desfaçatez de fazê-lo na Calheta. É óbvio que o presidente do PS não é contra as obras públicas, nem é crime mudar de ideias, mas a ligeireza com que Cafôfo muda de convicções, algumas delas basilares, soa pouco a evolução e muito mais a oportunismo.