Mea culpa!

Ó vulcão, quantas vidas irás tu ceifar?

Quantas ilusões irás tu destruir?

Quantas espécies irás tu dizimar?

Quantas ilhas irão assim emergir?

Matas com fogo, logo a seguir com gelo,

Fenómeno estranho e aterrador,

Ruges e ignoras receoso apelo

Qual demónio feroz, arrasador.

A Terra aquecida é o teu alento,

Mas, ingrato, logo a queres sufocar,

Vomitas lava, lanças cinzas ao vento,

Estéril a tornas, inapta a cultivar.

E tu degelo, que vírus irás tu soltar?

Quantas novas doenças irás tu trazer?

Que efeitos esperar das correntes que vais arrefecer?

Quantas migrações irá o teu gélido abraço provocar?

Ó mar salgado, quem te fez assim crescer?

Quantos humanos irás tu afogar?

Quantas terras irás tu, voraz, comer?

Quantas guerras irás tu originar?

E quem escancarou as portas aos raios nocivos

Do Sol, que sempre nos ajudou mas que agora

Queima a pele, esteriliza os solos, aquece

Oceanos e provoca tempestades indomáveis?

Das florestas somos também os verdugos

Cortando-lhe e queimando-lhe os pulmões,

Vítimas inocentes da insaciável ganância,

Do desenfreado consumo que tudo consome.

E não seremos nós responsáveis

Pela dependência do plástico, pela poluição dos Oceanos?

Pelo mercúrio que produzimos e envenenamos os peixes

E, indirecta, ironicamente, a nós próprios?

De facto, “errarem humanum est”!

Desalento

Na cabeça o meu Cabo das Tormentas ,

Na boca o sabor a fel da tristeza,

No espírito as dúvidas peçonhentas,

Nos passos o vacilar da incerteza.

No coração uma dor excruciante,

Na alma o vazio da vã esperança,

No peito o peso do mal asfixiante,

Na vida a erosão da intemperança.

Nas cegas crenças a ilusão visceral,

Nas acções um ácido primitivismo,

Na guerra um imposto ódio mortal,

Na política a falta de humanismo.

Na Humanidade vive a desilusão,

No ar o sopro perene da maldade,

No poder germina o germe da traição,

Na sociedade jaz a desigualdade.

Onde poderá residir a nossa salvação?

Longe da vista

Mas bem perto do coração

Permanece a Terra Natal

Que tinge qualquer minha acção

Do seu enlevo ancestral

Não, caríssimo Camilo

A Pátria não se reduz

A um simples trocadilho

Que o bem-estar traduz

É a cancão de embalar

Que a minha mãe me cantava

E a atmosfera do lar

Que aos poucos me moldava

É o tronco inclinado

Daquela árvore que vi

Servindo de belo quadro

À moça que pra mim sorri

É o cheiro a resina

Que emana do pinheiro

E o som da concertina

Que me invade por inteiro

É o gotejar da fonte

Que amolece o penedo

E a penumbra do monte

Que à noite me mete medo

É a luz do candeeiro

E as sombras que provoca

O martelar do ferreiro

E a cancão que me choca

É a maresia cheirar

E dela encher os pulmões

É de um beijo guardar

Inolvidáveis sensações

É sentir a alma queimar

Ao sonhar com o passado

E as lágrimas afogar

No exílio forçado

Asdrubal Vieira