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O ato de cuidar é precioso

Na minha história cedo descobri a dor que envolve as perdas prematuras, reconstruindo-me através dos sonhos e das conquistas, criando espaço para as desilusões que se alojam no lugar das perdas e dos lutos. As nossas pessoas, as que ficam e as que queremos guardar, vão assumindo com o tempo um lugar precioso que ultrapassa a utilidade da relação permanecendo no conforto de um compromisso de afetos. O compromisso é livre, porque na vida nada é eterno, mas quando preenche e completa é permanente, independentemente do tempo e do lugar dos encontros.

Essa é a razão por que entre amigos da vida a distância e o tempo de ausência, até de palavras, não compromete o lugar da relação e em cada encontro tudo flui e regressa ao tema do “dia anterior”.

A amizade também é amor no sentido do respeito pela individualidade do outro e da compreensão que as diferenças não são fraturantes. São apenas o lugar da identidade.

Amigos, amores, pais, irmãos, filhos, são histórias exigentes que se constroem com maturidade e aprendizagem. Não basta o estatuto que define o compromisso é preciso de facto comprometimento.

Os lutos são difíceis e dolorosos mas essenciais para a elaboração da perda e consequente gestão emocional. Em primeiro lugar é preciso aceitar o facto ou a decisão. As perdas por morte têm um percurso diferente das perdas em vida.

Por morte a ausência implica um processo gradual de aceitação e resolução. Não há como voltar atrás nem para recuperar nem para resolver. O trabalho é individual, interno. Em vida, por decisão ou consequência, há uma reaprendizagem para prosseguir sem a relação, apesar da coexistência das pessoas.

As memórias e o lugar para onde nos transportam são comuns. É lá que a história se revela e nos permite decidir como nos queremos manter. Os caminhos são diversos e por vezes permitem restaurar erros que facilitam a aceitação em paz ou o retorno à relação, no caso das perdas em vida. Outras vezes, em ambas as situações, fica o confronto com o fim e a impossibilidade de retorno, sem culpas nem autopunições.

Hoje os meus lutos, apesar de igualmente dolorosos, são mais maduros e por isso carregam tristeza, mas não peso. Guardo tudo o que recebi com carinho e com afeto despegando-me do que me fez ou tentou fazer mal. Aprendi a ter limites e a usá-los para a minha proteção e de todos os que fazem parte de mim. Ter limites é saber defender-se, proteger-se, promover a saúde mental.

Só em sintonia e equilíbrio emocional podemos aceder às nossas melhores competências e assim continuar a exercer aquele que é o essencial propósito da vida: cuidar de nós e dos que decidem estar connosco. Algumas das minhas pessoas estão a passar por momentos difíceis e eu, por gostar tanto do que construímos juntas, quero estar livre para lhes oferecer todo o meu carinho. É bom para elas e é bom para mim. O ato de cuidar é precioso.