Pacto pela Autonomia
1. Um Pacto pela Autonomia: A Madeira entre o futuro e a irrelevância
A política, como se sabe, não é o domínio do idealismo, nem da visão, nem da coragem. É o domínio do cálculo, da sobrevivência e do adiamento perpétuo das decisões difíceis. Na Madeira, é ainda pior: a política regional tornou-se o exercício preguiçoso de perpetuar um modelo gasto, exausto, refém de um Estado central que nos tolera, mas não nos respeita, e de uma elite política que nos governa, mas não nos serve.
Há quase cinquenta anos que se fala desta Autonomia. Que se promete aprofundá-la, fortalecê-la, levá-la à sua maturidade plena. No entanto, a cada crise, a cada momento de tensão com a República, percebe-se que a Madeira continua a ser tratada como uma criança política, tutelada, dependente da boa vontade do Terreiro do Paço, constantemente sujeita a bloqueios institucionais e manobras dilatórias que a impedem de crescer.
Se há altura para romper com este círculo vicioso, é agora. Um Pacto pela Autonomia não é apenas desejável–é uma exigência de sobrevivência. Ou a Madeira se impõe como um sujeito político e económico de pleno direito, ou resigna-se ao papel de colónia administrativa de Lisboa, sustentada por fundos e migalhas, mas sem futuro.
2. Os Pilares de um Pacto Reformista
Este pacto não pode ser uma formalidade retórica, nem um mero exercício de “marketing” político. Tem de ser um compromisso real, vinculativo, que se traduza numa agenda de reformas concretas e inadiáveis.
a) Aprofundamento da Autonomia: o poder tem de residir na madeira
O que distingue uma autonomia funcional de uma autonomia ornamental não é a existência de um governo regional ou de uma assembleia. É a capacidade de legislar, de decidir e de agir sem depender da boa vontade do poder central.
O problema da Madeira, desde o início, é que a sua Autonomia tem sido uma concessão–e não um direito reconhecido. O Estatuto Político-Administrativo da Região continua a ser um exercício de subordinação, sujeito a revisões que nunca acontecem. Cada pequeno avanço é imediatamente travado por um Tribunal Constitucional que mais parece uma comissão de censura política.
A solução passa por três medidas inegociáveis:
Uma revisão profunda do Estatuto Político-Administrativo da Região, que elimine ambiguidades jurídicas e barreiras institucionais ao exercício pleno da governação autonómica;
Uma clarificação constitucional, que defina, sem margem para interpretações casuísticas, as competências exclusivas da Madeira, blindando-as contra interferências arbitrárias da República;
A criação de um mecanismo de resolução de conflitos institucionais, que evite que cada reforma legislativa regional tenha de passar pelo crivo de um Tribunal Constitucional orientado por critérios políticos e não jurídicos;
Se a Madeira quer ser levada a sério, tem de exigir ser tratada como uma entidade política adulta. Sem concessões, sem hesitações, sem desculpas.
b) Saúde: o desastre silencioso que todos ignoram
A política madeirense especializou-se, ao longo dos anos, na arte de contornar problemas em vez de os resolver. A saúde é talvez o exemplo mais evidente disso mesmo.
Durante décadas, construiu-se um sistema que nunca funcionou eficazmente. Criaram-se hospitais, centros e unidades de saúde, mas a gestão continuou desastrosa, as listas de espera cresceram, a escassez de profissionais tornou-se crónica, e a incapacidade de resposta agravou-se ao ponto de a única solução viável ser o envio de doentes para o continente.
Um Pacto pela Autonomia tem de romper com esta lógica do colapso progressivo e assumir um modelo de governação sanitária que funcione. Isso significa:
Um reforço de profissionais de saúde, com condições que os fixem na Região em vez de os empurrar para fora dela;
Uma aposta séria na digitalização do sistema de saúde, para evitar burocracias inúteis e acelerar diagnósticos e tratamentos;
Uma política de cooperação público-privada, sem dogmas ideológicos, para garantir que o sistema responde às necessidades dos utentes em tempo útil;
A descentralização dos serviços de saúde, garantindo que os concelhos mais isolados não dependem exclusivamente do Funchal para tratamentos essenciais.
Continuar a gerir a saúde pública como se fosse um problema irresolúvel não é incompetência–é pura negligência política.
c) Fiscalidade: a Madeira precisa de um regime próprio, não de uma cópia mal feita do continente
Uma das maiores fraudes da política regional foi a ilusão de que a Madeira tem uma verdadeira autonomia fiscal. Na realidade, tem um regime fiscal condicionado, sem capacidade de adaptação, sem margem para decisões estratégicas, e constantemente sujeito a revisões arbitrárias ditadas por Lisboa.
Se a Região quer ter uma economia viável, precisa de um modelo fiscal que seja competitivo e que sirva os interesses do seu próprio tecido económico. Um Pacto pela Autonomia tem de incluir:
Uma autonomia fiscal plena, permitindo à Região definir a sua própria política tributária sem interferência da República;
Uma redução significativa da carga fiscal sobre empresas e trabalhadores, para estimular a economia e atrair investimento;
Um modelo de incentivos fiscais orientado para o crescimento, e não para a mera sobrevivência;
A simplificação do sistema tributário regional, reduzindo burocracias que apenas servem para travar o investimento.
A actual política fiscal não cria riqueza. Apenas gere pobreza com alguma sofisticação.
d) Educação: a última hipótese de impedir um deserto humano
Nenhuma economia cresce sem capital humano. Nenhuma sociedade se sustenta sem uma geração qualificada. A Madeira está perigosamente perto de um ponto de não retorno. Um êxodo contínuo de jovens, uma população envelhecida, uma economia incapaz de absorver talento.
Se nada for feito, dentro de poucas décadas a Madeira não terá apenas um problema económico, terá um problema demográfico irreversível.
A solução passa por uma reforma estrutural do sistema educativo:
Um ensino mais adaptado às exigências do século XXI, focado na economia digital, na tecnologia e na inovação;
Uma aposta no ensino técnico e profissional, para criar mão-de-obra qualificada que responda às necessidades do mercado regional;
Uma estratégia clara de retenção de talento, garantindo oportunidades reais para os jovens madeirenses;
Uma ligação efectiva entre o ensino e o sector privado, promovendo estágios e parcerias que facilitem a transição para o mercado de trabalho.
Se o objectivo é criar uma Madeira viável, a formação de capital humano não pode continuar a ser um detalhe secundário.
3. Um Pacto pela Madeira ou o fim de qualquer ambição
A questão fundamental deste pacto não é política. É uma questão de sobrevivência.
Se a Madeira continuar a adiar reformas estruturais, será condenada à irrelevância. Se não consolidar a sua Autonomia, continuará a ser um território de segunda categoria, governado à distância, sem voz própria.
4. Este Pacto pela Autonomia não é uma escolha. É uma última oportunidade
A pergunta que fica é simples: haverá, entre as forças políticas da Madeira, quem tenha coragem para o assinar? Ou vamos continuar a gerir o declínio, com a mesma passividade de sempre, até que já não haja nada a gerir?
5. Serão tão responsáveis pelo futuro os que têm feito mal, como todos os que não contribuírem para soluções. Sei bem de que lado me posicionar.