A factura do optimismo
O discurso do ministro da Economia e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, na gala das 500 Maiores e Melhores Empresas, foi uma demonstração afinada de confiança institucional, sustentada em indicadores macroeconómicos positivos: mais dormidas, receitas turísticas em alta, taxas de desemprego “das mais baixas de sempre” e uma dívida regional reduzida em mais de 1.200 milhões de euros entre 2021 e 2024. Em suma, somos a região do País que mais cresceu em três décadas.
Na perspectiva governativa, a Madeira surge como exemplo nacional, laboratório fiscal e montra de competitividade. A visão, sedutora, revela, contudo, uma assimetria crescente entre o vigor das empresas e a experiência quotidiana de uma parte significativa da população, realidade que não convém escamotear.
O ministro enfatiza a ideia de que “baixar impostos aumenta a receita” e que o Estado deve “não estorvar” a iniciativa privada, apresentando o lucro como instrumento de progresso, não como problema. Correctíssimo.
Porém, esta lógica ignora que a prosperidade regional assenta essencialmente num só sector, o turismo, onde a dependência estrutural atinge níveis históricos. O Grupo Pestana, novamente distinguido como a maior empresa da Região, recorda que 30% do seu negócio global se ancora na Madeira e que a principal dificuldade é hoje a escassez de mão-de-obra, colmatada por trabalhadores imigrantes “absolutamente essenciais” ao funcionamento do sector.
A pergunta impõe-se: que modelo económico se constrói quando a base laboral local se revela insuficiente ou desadequada? Sem os “demonizados” imigrantes, alguns do Bangladesh, Nepal, Índia e outros pontos do mundo, transformados em cavalos de batalha de uma narrativa desprezível propalada pela extrema-direita, estaríamos, sim, metidos num grande sarilho.
A Madeira reforça o tom optimista, garantindo, segundo Miguel Albuquerque, um PIB que ultrapassará 8.040 milhões este ano e crescerá novamente em 2026, com a dívida regional estabilizada nos 61% do PIB. O argumento é sólido do ponto de vista contabilístico. Mas permanece por explicar como é que este crescimento convive com salários persistentemente baixos, dificuldades no acesso à habitação, uma juventude qualificada que continua a emigrar e uma preocupante queda demográfica, especialmente no Norte da ilha. A tão proclamada diversificação económica continua reduzida a nichos.
Os dados da Informa DB, apresentados no evento, mostram que as 500 maiores empresas concentram 54% do volume de negócios e 43% do emprego regional, enquanto 31% alcançam níveis médios-altos de desempenho ESG, (Environmental, Social and Governance). Esta força empresarial é inegável, mas evidencia igualmente uma economia altamente concentrada, cuja resiliência depende da estabilidade de meia dúzia de sectores e do apetite turístico internacional, um risco que a pandemia expôs com brutalidade recente.
A Região celebra, com razão, a vitalidade do seu tecido empresarial. Mas entre o brilho das distinções, merecidas sem dúvida, e a retórica da ambição colectiva, permanece uma fractura social evidente: os benefícios do crescimento não se distribuem à velocidade com que se anunciam. Enquanto o Governo exorta os empresários a “arriscar e inovar”, muitos madeirenses continuam apenas a arriscar viver com o que têm.
É preciso mais, para além dos bons indicadores, dos milhões que nos visitam e das elevadas taxas de ocupação. A Madeira, diz o ministro, “não acompanha o futuro, constrói-o” e é exemplo para o país. A questão essencial é saber se está a ser construída para o todo, de forma equitativa, sem esquecer que o papel das novas tecnologias e da Inteligência Artificial ocupará, inevitavelmente, o lugar de charneira no futuro que já começou.
2. Célia Pessegueiro prepara-se para ser a primeira mulher a liderar o PS-M, mas fá-lo com uma derrota recente às costas. Tal facto, contudo, não constitui obstáculo inultrapassável: a política está cheia de exemplos de dirigentes que perderam antes de vencer, com muito trabalho, suor e lágrimas. Tudo dependerá da equipa que escolher, da clareza estratégica que imprimir e da capacidade de disputar terreno com ambição sustentada em pressupostos realistas. Se mantiver a linha que o partido trilhou até agora, arrisca apenas tornar-se mais uma figura para desgaste rápido, dentro e fora do partido.
O aceno ao JPP, feito ainda antes de ir a votos, expôs de imediato uma fragilidade com ampla leitura política: a percepção de que o PS, sozinho, não consegue chegar ao poder. Célia Pessegueiro deveria recordar-se o recente ‘noivado’ entre as duas forças, que terminou em ruptura pública e relegou os socialistas para a humilhante terceira posição no xadrez partidário regional. A ex-autarca inicia esta corrida em nítida desvantagem. A questão é simples: terá fôlego, visão e tropa renovada para conquistar novos mundos?