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Relacionamentos na Modernidade: ciclos que afastam os casais

Hoje, os casais vivem sob pressão constante: trabalho exigente, cuidados com os filhos e rotinas que parecem não deixar espaço para a relação. No entanto, o que geralmente corrói um vínculo não são as diferenças ou os conflitos em si, mas sim ciclos de padrões emocionais negativos que se repetem sem que o casal se aperceba. São respostas automáticas a inseguranças profundas, enraizadas na nossa história. Os humanos, enquanto mamíferos sociais, dependem dos vínculos para sobreviver. Desde cedo, aprendemos formas de nos ligarmos a quem cuida de nós, e esses padrões continuam a moldar a forma como nos relacionamos na vida adulta.

3 dos ciclos mais comuns são:

1. Aproximação–Afastamento

Um parceiro procura ligação através de críticas, queixas ou insistência. O outro afasta-se, fecha-se ou evita o conflito. Não nasce de má intenção: quem critica quer sentir-se visto e seguro; quem se afasta tenta proteger-se do que vive como pressão. À superfície, discutem-se tarefas ou horários; no fundo, pergunta-se: “Posso contar contigo?”, “Ainda te importas?”, ou “Estou a falhar?”

2. Aproximação–Aproximação (Escalada)

Ambos reagem com intensidade, tentando ser ouvidos. Cada palavra é recebida como ataque, e o conflito escala rapidamente. Surgem acusações, generalizações e longas discussões. Cada um luta para se sentir reconhecido, mas nenhum encontra segurança.

3. Afastamento–Afastamento (Desligamento)

O casal evita o confronto… e também evita a intimidade. Conversas tornam-se superficiais, o afeto reduz-se e instala-se uma calma enganadora. Não há brigas, mas também não há ligação. Cada um gere sozinho o que sente, e a relação esvazia-se lentamente. Um (ou ambos) evitam para “manter a paz”, mas suprimem mágoas, irritações, necessidades, medos. O silêncio torna-se tenso, não pacificador e, num ponto crítico, explode. O outro fica desorientado e sente-se “apanhado de surpresa”.

Estes ciclos repetem-se e sinalizam que algo importante não está a ser comunicado. Reconhecê-los é o primeiro passo: perceber que o ciclo está em curso novamente, porque a discussão tem sempre a mesma estrutura, que surgem reações rápidas de defesa ou que o conflito cresce sem se saber bem porquê.

Como desarmadilhar o ciclo

Três estratégias simples ajudam a interromper estes padrões:

1. Pausar. Um momento para respirar impede que o conflito escale.

2. Nomear o padrão. Dizer “Parece que estamos a entrar no nosso ciclo outra vez” retira culpa e cria clareza: é o ciclo o adversário, não o parceiro. “Estamos nisto juntos, e já sabemos que nos leva a um lugar que não queremos e nos faz mal.”

3. Mostrar vulnerabilidade. Revelar o sentimento por trás da reação. “Sinto-me sozinho quando não respondes” ou “Afasto-me porque tenho receio que piore” abre espaço para aproximação; é mais eficaz do que críticas ou silêncio, o “Nunca me ouves”, ou “Deixa-me em paz”.

Depois, é essencial reparar: reconhecer o impacto, validar o que o outro sentiu e reafirmar a importância da relação. Frases simples como “És importante para mim e quero que te sintas seguro(a) comigo.” Ou “Estamos juntos e quero melhorar isto contigo” são poderosas.

Na prática clínica, vemos que casais que aprendem a desarmadilhar estes ciclos desenvolvem relações mais seguras, estáveis e satisfatórias. Esse trabalho beneficia não só o casal, mas também os filhos: crescer num ambiente de ligação segura ensina, por observação, o que significa apoio mútuo e intimidade saudável.

O que sustenta uma relação não é a ausência de conflito, porque são inevitáveis e a sua boa resolução é o motor de crescimento de uma relação, através da capacidade de estar atento, responder emocionalmente e reparar. São estes gestos simples, repetidos ao longo do tempo, que mantêm o vínculo vivo, mesmo no ritmo acelerado da vida moderna.