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Vidas em espera. O custo da inação governativa

Há décadas que vários bairros sociais da Madeira carregam o peso do abandono (não vou nomeá-los, toda a gente os conhece), com casas degradadas, lixo acumulado, respostas sociais insuficientes. É neste ambiente que a pobreza e vulnerabilidade se cruzam com o consumo de drogas, alimentando um ciclo difícil de quebrar. Quem cai neste ciclo não são números, nem “filhos de ninguém”, são pessoas, na maioria jovens e famílias, que desejam uma segunda oportunidade, mas encontram portas fechadas precisamente em quem lhes devia dar suporte.

Desde 2001 que a lei prevê respostas de redução de danos e programas pós-desintoxicação. Na Madeira, comunidades terapêuticas, centros de dia com formação, programas de emprego, residências de transição e acompanhamento contínuo são raros ou insuficientes. Os dados quase não existem, mas os casos de recaída mostram bem a falha do sistema.

O Partido Socialista apresentou propostas para quebrar esses ciclos, reforçar redes de apoio e criar respostas estruturadas. Foram chumbadas pelo PSD/CDS no Parlamento Regional. Na Assembleia da República, o PS propôs um estudo específico sobre o consumo, em especial de novas substâncias psicoativas, nas Regiões Autónomas, ignorado pelos Governos PSD/CDS. Falta uma estratégia consistente e contínua, a ausência de respostas estruturadas alimenta desigualdade, marginalização e recidivas.

A maioria PSD/CDS rejeitou propostas do Partido Socialista que poderiam criar redes de apoio efetivas, com proteção, acompanhamento e dignidade para quem procura recuperar. Ainda hoje, esta mesma maioria, tenta sacudir responsabilidades à conta da clarificação da lei da droga de 2023, na Assembleia da República, que o próprio PSD viabilizou. Mas o problema não nasceu em 2023, nem se esgota numa lei, tem raízes em anos de omissão e falta de investimento. Desde os anos 90 acumulam-se registos e denúncias de tráfico, consumo de droga, degradação habitacional e ausência de intervenção pública. O Governo foi fechando os olhos.

Também, importa desmontar um equívoco. A toxicodependência não é apenas dos bairros, das pessoas em situação de sem-abrigo, ou de quem vive em pobreza extrema. O consumo atravessa todos os estratos sociais. As famílias com mais recursos conseguem, muitas vezes, pagar tratamentos no continente ou em estruturas privadas, e tornarem os casos menos visíveis. E as que não podem?

O Partido Socialista não tem dúvidas, o tráfico de droga é crime. Devendo ser combatido com todos os meios. Foi isso que fizeram Governos Socialistas, reforçando o controlo das rotas e dos pontos de entrada na Região (extensão do Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo à Madeira), reforçando efetivos da PSP, investimento no Centro de Comando e Controlo Operacional para articulação com o sistema de videovigilância do Funchal, e o novo Laboratório de Toxicologia da PJ na Madeira, que permite hoje identificar rapidamente novas substâncias e apoiar o combate ao tráfico. Firmeza total contra o tráfico, mas humanidade para quem consome e quer sair do ciclo de consumo.

É essa visão humanista que está inscrita na política de drogas portuguesa. O consumo não foi legalizado, continua proibido, mas é tratado como contraordenação e problema de saúde pública, com comissões de dissuasão e acompanhamento, em vez de prisão para quem é doente e não traficante. Punir o consumidor não cura ninguém, apenas empurra mais pessoas para a marginalização.

Dar uma segunda oportunidade, nestas situações de consumo, é um dever público. A Madeira não precisa de “desculpas”, precisa de presença no terreno, políticas concretas e redes de resposta. É tempo de olhar para os bairros e ver pessoas com direito a uma vida digna. Habitação condigna, apoio psicológico, acompanhamento nos casos de desintoxicação, formação, emprego e inclusão. É tempo de lhes dar, finalmente, uma oportunidade.