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O Atlântico também é Europa

A Europa vive um momento de tensão e redefinição. Com guerras às portas da União Europeia, disrupções económicas e transições tecnológicas aceleradas, o projeto europeu tem de reafirmar o que sempre o distinguiu: a capacidade de unir diferenças, de construir consensos e de transformar diversidade em força. Os Açores estiveram, esta semana, no centro desse esforço. Não por capricho, mas por necessidade política e por sentido de responsabilidade.

As Regiões Ultraperiféricas (RUP) enfrentam hoje um risco real. A proposta inicial da Comissão Europeia para o próximo Quadro Financeiro Plurianual apontava para a diluição da diferenciação que, desde há décadas, garante justiça territorial a regiões que vivem constrangimentos permanentes: distância, insularidade, escala reduzida e custos acrescidos de mobilidade e produção. As consequências seriam graves, para as RUP e para a própria credibilidade europeia.

Foi por isso que estivemos em Bruxelas. Não para lamentar fragilidades, mas para explicar, com serenidade e firmeza, que o artigo 349.º do Tratado da União Europeia é uma cláusula de equilíbrio, não um artifício burocrático. É ele que garante que regiões afastadas podem participar no mercado interno em condições minimamente equitativas. E é ele que faz da coesão europeia mais do que uma proclamação: uma garantia constitucional da União Europeia.

A intervenção coletiva das RUP e, em particular, o contributo açoriano produziu resultados. A Comissão Europeia recuou, reabriu a porta ao diálogo e reintroduziu salvaguardas essenciais. Não estamos perante uma vitória final. Mas estamos perante uma vitória clara do diálogo político persistente, da diplomacia paciente e da força da razão.

Os Açores têm legitimidade para esta intervenção. Não apenas pela história autonómica que construíram ao longo de quase cinco décadas, mas pelo que podem representar hoje: uma Região de Oportunidades. Um território capaz de transformar insularidade em inovação, limitações em ambição e distância em centralidade atlântica. Esta é a marca que devemos afirmar com confiança no país e na Europa.

Os Açores são uma referência geostratégica, com potencial geopolítico e económico na e para a União Europeia.

O arquipélago é, cada vez mais, um território e uma economia que se afirmam como um bom exemplo de energia limpa, de investigação oceânica, de sustentabilidade ambiental e de resiliência territorial. Representamos mais de metade do mar nacional, 56% - e uma parte essencial da fronteira ocidental europeia. Somos observatório climático, plataforma de cooperação internacional e ponto de referência para a segurança marítima. Estas dimensões de identidade e potencial geoestratégica não são um detalhe. São um trunfo para Portugal e para a União.

Por isso, defender os Açores é também defender a qualidade da decisão europeia. A manutenção do POSEI agrícola, a necessidade urgente de instrumentos dedicados às pescas e aos transportes, e o acesso competitivo aos programas europeus não são reivindicações de circunstância das RUP. São condições mínimas para que a participação das RUP na União seja plena e não meramente formal.

A Comissão Europeia como “governo da União” deve ser o primeiro aliado das RUP. Foi este o apelo que deixámos em Bruxelas. E este apelo não é insularismo: é Europa. É a afirmação de que nenhum projeto de integração se sustenta se abandonar as regiões que o tornam verdadeiramente plural, presente e global.

Num país tantas vezes centrado na terra firme, recordo que a dimensão atlântica de Portugal não vive no mapa, vive nos Açores e na Madeira. Vive nas ilhas que projetam o país e que reforçam a presença europeia no mundo. O futuro nacional e europeu será tanto mais forte quanto maior for a inteligência com que valorizarmos estes territórios, nas suas dimensões terrestre, marítima e espacial.

A Europa ganhou quando nos ouviu. Agora é tempo de transformar esse ouvir em decidir. A coesão não se cumpre sozinha: exige vigilância, persistência e diálogo. Os Açores continuarão a fazê-lo. Com serenidade. Com firmeza. Com a convicção de que, mesmo nas margens, se pode afirmar o centro moral e estratégico de uma ideia maior: a de uma Europa que não deixa ninguém para trás e se afirma com o peso global na sua dimensão oceânica.