O bom, o mau e o peixe
A Europa que legislou para que as tampas permaneçam sempre presas às garrafas de plástico ou para que deixassem de ser precisos carregadores e cabos diferentes para vários aparelhos eletrónicos, aguardou pelo ano de 2025 para decidir que as deputadas grávidas possam delegar o direito de voto durante a sua ausência. A decisão – histórica – aguarda validação por cada um dos Estados-membro. Por cá, será uma boa oportunidade para saber se a trupe do “Deus, Pátria, Família” alinha com as 30 almas (muitas da sua família partidária) que votaram contra a medida no Parlamento Europeu.
O bom: Zohran Mamdani
Nascido no Uganda. 34 anos. Muçulmano. Socialista. Não haverá perfil mais improvável para mayor de Nova Iorque que o de Zohran Mamdani. Especialmente se tivermos em conta a profunda divisão social e religiosa que Trump tem semeado de uma ponta à outra dos Estados Unidos. Não será por acaso que o presidente americano apoiou Andrew Cuomo, um democrata, em prejuízo do candidato republicano Curtis Sliwa ou que tenha, repetidamente, ameaçado com um corte no financiamento federal na eventualidade de uma vitória de Mamdani. Trump percebeu que o maior perigo não era a vitória de Mamdani, mas o desaparecimento da velha guarda democrata com quem ele, tão bem, sabe lidar. Em boa verdade, talvez tenha sido esse o ponto de partida para a vitória de um candidato que nas primárias democratas não ultrapassou o 1% das intenções de voto. O resto foi uma mistura do carisma inegável de Mamdani, da sua capacidade retórica e da escolha acertada da mensagem. De ilustre desconhecido da política americana a novo messias da esquerda mundial, a ascensão deu-se num ápice. É certo que Nova Iorque não representa a complexidade da política americana e que Mamdani não é Obama, mas a lição do novo mayor nova-iorquino é maior do que qualquer personalidade e é válida em qualquer lado. A política é vencedora quando fala a linguagem das pessoas. E quando quem a faz não tem medo de oferecer esperança. O que Mamdani relembrou aos políticos moderados de todo o mundo é que o centro não fraqueja por falta de força para enfrentar os extremos, mas por não se afirmar nos temas onde pode triunfar.
O mau: O fim da Política Agrícola Comum
Os seis signatários do Tratado de Roma e, por consequência, fundadores da primeira encarnação da União Europeia estariam, fossem vivos, profundamente envergonhados com a ferida mortal que a Comissão Europeia se prepara para infligir na Política Agrícola Comum (PAC). Para além da redução de 20% na proposta de orçamento europeu para a agricultura, está em cima da mesa o fim do POSEI atribuído às regiões insulares, entre elas a Madeira e os Açores. Em troca da alegada simplificação na atribuição dos fundos, a Comissão prepara-se para dinamitar a coesão territorial e a esvaziar - ainda mais - o estatuto especial das regiões ultraperiféricas. Em boa verdade, a PAC vai muito além da agricultura e dos agricultores. É política de segurança, porque garante alimentos seguros e acessíveis, é política social, porque impede a desertificação dos territórios, é política económica porque assegura empregos e investimento e é, sem sombra de dúvida, política de coesão porque não permite que a distância e a insularidade se transformem numa sentença de pobreza. Sem a PAC, da forma que hoje a conhecemos, os consumidores e os produtores de regiões como a nossa, ficariam ainda mais penalizados pelas desigualdades estruturais que lhes são impostas pela geografia. Ora, foram precisamente essas desigualdades que a Europa jurou corrigir e isso faz-se com um reforço do financiamento, nunca com um corte envergonhado.
O peixe: Ana Paula Martins
Pela boca. É assim que costuma morrer o peixe. No caso de Ana Paula Martins, ainda Ministra da Saúde, será pela boca, ou pelo seu uso indevido, que chegará ao fim o seu consulado à frente da saúde em Portugal. Repito o que escrevi sobre Maria Palma Ramalho, ministra do Trabalho, arrastada para uma discussão impossível sobre amamentação: antes da política, vem a comunicação. Não é possível dissociar uma de outra, mas é perfeitamente possível que a comunicação descarrilhe, por completo, qualquer política de governação. Especialmente numa área de governo como a da saúde. Não creio, ao contrário do que li amiúde, que as declarações da ministra sobre a morte de uma grávida, tenham uma dimensão racista e xenófoba, de quem quer imputar todos os males do Serviço Nacional de Saúde aos imigrantes. Não acredito sequer que Ana Paula Martins seja, após pouco mais de um ano à frente do Ministério, culpada dos desequilíbrios do sistema de saúde português. Todavia, a sucessão de respostas mecânicas e desprovidas de empatia revelam uma fragilidade política que ultrapassa a competência técnica: a incapacidade de estar à altura do momento humano. Quando falha a palavra, falha tudo o resto. E no turbilhão de crises sucessivas, de partos em ambulâncias, de falhas na assistência médica e de mortes trágicas, cada frase mal medida torna-se num anzol que fisga quem a lançou.