Comissão de inquérito aos incêndios poderia ter concluído os trabalhos?
A comissão parlamentar de inquérito para ‘Apuramento de responsabilidades políticas no combate aos incêndios ocorridos entre o dia 14 e 26 de Agosto’, da Assembleia Legislativa da Madeira, reuniu-se ontem, terça-feira e o ponto mais polémico foi a proposta, do PS e secundada pelo JPP, para que fosse elaborado um relatório parcial dos trabalhos já realizados – foram feitas 11 audições e recebida documentação de diversas instituições –, mesmo tendo a certeza de que, com a dissolução do parlamento regional a comissão extingue-se.
Sancha Campanella, presidente da comissão, fez uma intervenção inicial em que afirmou que a interrupção dos trabalhos, decidida a 9 de Janeiro com os votos de PSD, CH e CDS e abstenção a IL impediu que as audições fossem concluídas. Uma posição contestada pelos partidos que aprovaram a suspensão dos trabalhos que alegaram que, depois da aprovação da moção de censura ao Governo Regional, foi necessário esperar pela decisão do Presidente da República sobre a dissolução do parlamento e convocação de eleições.
Vários deputados, sobretudo do PSD, afirmaram que seria impossível concluir os trabalhos da comissão no tempo que resta ao parlamento – deverá ser dissolvido na próxima segunda-feira –, uma vez que ainda haveria várias personalidades para serem ouvidas.
A dúvida que se coloca é saber se, no caso de não terem sido interrompidos os trabalhos da comissão a 9 de Janeiro, poderiam ter sido realizadas as audições e elaborado um relatório.
A 9 de Janeiro foi decidido suspender os trabalhos da comissão de inquérito até que fosse conhecida a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa. Entre essa data e a reunião de ontem (21 de Janeiro) houve sete dias úteis em que a comissão poderia funcionar.
Admitindo que, como referiu Sancha Campanella, a comissão funcionasse todos os dias, uma vez que não havia sessões plenárias, as audições poderiam acontecer de manhã e de tarde.
A comissão ouviu, até 27 de Novembro – António Nunes e Marco Lobato da Protecção Civil -, um total de 11 pessoas e na lista ainda estavam mais 8, sendo uma indicada pelo PS, a presidente da Quercus-Madeira e as restantes indicadas pelo PSD.
Como o PS prescindiu de ouvir a dirigente da Quercus, faltava ouvir as seguintes personalidades:
Fábio Pontes – Comandante da Força Operacional Conjunta - FOCON da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil;
Luís Martins – Inspector Coordenador do Serviço Regional da Protecção Civil dos Açores;
Sidónio Pio – Comandante dos Bombeiros Mistos da Ribeira Brava e Ponta do Sol;
Fernando Gomes – Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Câmara de Lobos;
Manuel Filipe – Presidente do IFCN, IP-RAM;
Tiago Oliveira – Engenheiro especializado em gestão de risco de incêndio florestal;
Richard Nunes Marques – Comandante Sub-regional de Emergência e Proteção Civil do Comando Sub-regional do Algarve, quando foi convocado, sendo neste momento o presidente da Protecção Civil da Madeira.
Um conjunto de pessoas que, na sua maioria, participaram no combate aos incêndios de Agosto ou comentaram os procedimentos operacionais.
A audição destes sete inquiridos poderia ser realizada naquele período de tempo – entre 9 e 20 de Janeiro -, mas isso dependeria dos agendamentos, uma vez que alguns iriam participar por videoconferência.
O PSD propôs estas audições e, a manterem-se as opiniões emitidas logo após incêndios, deveria ser referida a grande dificuldade operacional registada devido à orografia, o bom empenho de meios e, no caso do IFCN, a protecção feita à Floresta Laurissilva.
Depoimentos que poderiam contradizer os de outras personalidades já ouvidas na comissão.
Admitindo que seria possível ouvir as sete pessoas da lista até esta segunda-feira (20 de Janeiro), coloca-se outra questão: quanto tempo seria dado para a elaboração do relatório.
O Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira e o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares têm pontos comuns que determina prazos para o funcionamento das comissões e conteúdos obrigatórios do relatório.
Desde logo, as comissões de inquérito têm um máximo de 180 dias para desenvolver os seus trabalhos que podem ser prolongados por mais 90 dias, por decisão da Conferência dos Representantes dos Partidos. No caso de comissão parlamentar aos incêndios, proposta pelo PS, os 180 estão longe de ser atingidos.
Por outro lado, o artigo 223.º do Regimento da ALM determina que o relatório a enviar ao presidente da Assembleia “refere obrigatoriamente” as diligências efectuadas na comissão e as conclusões e respectivos fundamentos.
Uma norma regimental – é ainda mais precisa na lei nacional – que, numa primeira leitura, contraria o que pretendia, o PS e JPP: a apresentação de um relatório parcial.
Um documento que não iria incluir os depoimentos já referido e que, por isso, teria conclusões que seriam baseadas, apenas, nas audições anteriores.
Voltando ao calendário, depois de realizadas as audições, a comissão de inquérito teria de definir um prazo para que a relatora, Joana Silva (PSD), apresentasse o documento que teria de ser debatido e votado, antes de seguir para o plenário. Por norma, os relatores das comissões têm, sempre, um mínimo de 15 dias para a elaboração do relatório.
Como a Assembleia Legislativa da Madeira será dissolvida, no máximo, na segunda-feira, o relatório teria de ser apreciado, em plenário e votados eventuais projectos de resolução anternativos na sexta-feira. A relatora teria pouco mais de um dia para elaborar o documento.
A conclusão a que se pode chegar é que, com muito boa vontade e um agendamento muito apertado, sem a suspensão aprovada a 9 de Janeiro poderiam ser ouvidos os sete inquiridos em falta, mas nunca haveria tempo para concluir os trabalhos da comissão de inquérito antes da dissolução da Assembleia.