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Análise

Um novo paradigma

Se há um dado que as eleições do passado domingo veio consolidar é que as maiorias absolutas do passado são, na Região, uma possibilidade remota e improvável. Desde 2015 que não existem e a tendência vai permanecer porque o eleitorado dispersa cada vez mais o seu voto – os mais jovens dispensam fidelidades caninas a qualquer partido e têm uma agenda volátil – e porque o Chega passou a ser mais do que um mero fenómeno passageiro.

É, neste momento, uma força do sistema político português, com raízes cada vez mais dispersas na sociedade. Como se constata, não tinham razão os que lhe vaticinaram vida curta, declarando que estávamos perante uma espécie de PRD dos tempos actuais. Muitas análises têm sido feitas sobre os motivos do crescimento espectacular de um partido conotado com a extrema-direita, com propostas radicais e impossíveis de cumprir e com uma mensagem ostensiva e provocatória, baseada em meias-verdades e em muitas mentiras. Apesar do engulho que muitas das suas posições provocam, a democracia tem de saber conviver com o Chega e o Chega tem de começar a respeitar, de forma cabal, as regras da democracia. Não vale a pena hostilizá-lo porque há cada vez mais pessoas a votar nele. Na Madeira cresceu 240% face às Legislativas de 2022 e mais 76% do que nas Regionais de 2023, tendo elegido pela primeira vez um deputado à Assembleia da República, ficando a apenas 3.427 votos do PS. Os números falam por si. Não se pode ignorá-los. Miguel Albuquerque sabe disso e nunca fechou de forma consistente e determinada a porta ao partido de André Ventura. Contudo, a estrutura regional voltou, três dias passados das eleições, a garantir que nunca se entenderá com o actual líder do PSD-M, “símbolo da corrupção e do compadrio”, colocando um ponto final a qualquer hipótese de entendimento com o actual líder social-democrata. O que Miguel Castro não deixa claro no comunicado enviado aos média, em plena campanha interna no PSD-M, é que se for outro o presidente dos social-democratas madeirenses o cenário possa mudar de figura. Para os que preconizam alianças com o Chega, caso isso seja determinante para manter o PSD no poder, esta posição ganha importância acrescida.

Manuel António Correia não disse não a um futuro entendimento com aquele partido, caso vença as eleições internas do PSD e depois as Regionais, pelas quais se debate, como sublinhou na entrevista que deu ao DIÁRIO na quinta-feira.

O caminho de Albuquerque é, por isso, muito apertado. Primeiro tem de vencer a frente interna, depois conquistar os eleitores e negociar eventuais parceiros, caso vença. O CDS continua na equação, o PAN e a Iniciativa Liberal também. Mas isso pode ser insuficiente na contagem dos votos. A ‘bola’ está do lado do Presidente da República que também pode surpreender, apesar de ser difícil justificar uma dualidade de critérios caso opte pela não dissolução do parlamento regional.

Estamos perante um novo paradigma na política regional que joga num xadrez muito mais complexo do que se poderia prever há relativamente pouco tempo e que pode desembocar numa encruzilhada.

2. O PS-M tem rapidamente de se reinventar. Não adianta justificar o mau resultado do passado domingo com o “desgaste” do governo socialista da República do qual Paulo Cafôfo ainda faz parte. Ou o partido diagnostica rapidamente os motivos que não lhe permitem aumentar a votação e ser poder na Região ou terá mais uma crise de liderança a breve prazo, não saindo nunca de uma instabilidade que lhe é tão característica. Cafôfo perdeu terreno face aos dois actos eleitorais anteriores e ficou a 21.484 do melhor resultado que conseguiu, nas Regionais de 2019.

A nova “corrente de opinião” interna, liderada por Carlos Pereira, dispensado por Cafôfo mas eleito deputado pelo círculo de Lisboa, vem demonstrar que os socialistas estão divididos e não se conseguem unir em torno de um objectivo comum e de uma liderança.

Paulo Cafôfo tem assim mais um problema em mãos e muito pouco tempo para conseguir mostrar coesão e dinâmica.

Caso o Presidente da República opte por dissolver a Assembleia Legislativa, o líder do PS terá de optar por uma nova abordagem e rodear-se de nomes fortes e com provas dadas, que possam vir a integrar um executivo socialista.

Ao não conseguir capitalizar o momento – único - de enorme turbulência do principal adversário, permitindo a aproximação do Chega, o PS não pode ficar refém da táctica actual, que se revelou perdedora em toda a linha. Ou se renova ou apanhará um susto maior nas próximas eleições.

A esquerda da Região corre o risco de se tornar um bloco insignificante e residual da política madeirense.