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Crónicas

Arguidos, predestinados e inimigos

1. A questão de políticos constituídos como arguidos em processos de corrupção candidatarem-se a cargos públicos, é um tópico que desafia a delicada balança entre os princípios da presunção de inocência e as exigências éticas e morais inerentes ao serviço público. Este dilema não é apenas um ponto de controvérsia legal e ética, mas também um reflexo de tensões mais profundas nas democracias contemporâneas, envolvendo a confiança do público, a integridade das instituições e os fundamentos da responsabilidade política.

A presunção de inocência é um pilar da justiça criminal, garantindo que todos sejam inocentes até que se prove o contrário. Este princípio protege os indivíduos de condenações injustas e do poder arbitrário do Estado. No entanto, quando aplicado ao contexto da política, especialmente em casos de corrupção, surge um conflito entre esta salvaguarda legal e as expectativas éticas do serviço público.

Os políticos, como representantes eleitos ou nomeados, são detentores de uma confiança pública significativa. São responsáveis, não apenas por tomar decisões que afetam o bem-estar dos cidadãos, mas também por manter a integridade e a transparência das suas ações. Quando um político é constituído como arguido num caso de corrupção, esta confiança é inevitavelmente abalada, independentemente do resultado final.

A confiança do público nas instituições políticas é um componente essencial da estabilidade e eficácia democrática. Políticos sob investigação por corrupção enfrentam um declínio inevitável na confiança do público, o que pode ter repercussões mais amplas. Esta perda de confiança não se limita ao indivíduo em questão, mas pode estender-se às instituições que representam, erodindo a fé no sistema político.

Além disso, a candidatura de tais políticos questiona a legitimidade do processo democrático. A democracia depende não apenas de procedimentos eleitorais justos e transparentes, mas também da convicção de que aqueles que buscam e ocupam cargos públicos fazem-no com integridade e com o interesse de todos em mente.

Um político envolvido num processo legal terá dificuldades em manter o foco nas responsabilidades do cargo. Muito do seu tempo e recursos serão desviados para a sua defesa, afetando a capacidade de atender às necessidades dos eleitores e de governar eficazmente. Além disso, a presença de um político sob suspeita no governo causa divisões e distrai de questões políticas mais prementes.

Permitir que políticos sob investigação de corrupção concorram e venham a ocupar cargos públicos, estabelece um precedente perigoso, pois sinaliza uma tolerância à corrupção e enfraquece os mecanismos de responsabilização. No longo prazo, levará a uma degradação das normas éticas na política.

Este tipo de candidaturas maculadas por suspeitas, colocam um fardo significativo sobre os eleitores, porque os obriga a ponderar entre a lealdade partidária ou política e os princípios éticos, levando a um dilema moral. Em casos extremos, aumenta o ceticismo e a apatia relativamente ao processo eleitoral, prejudicando a participação cívica e a saúde da democracia.

Tudo isto representa um desafio complexo às democracias modernas. Embora a presunção de inocência seja um direito legal fundamental, a natureza do serviço público exige padrões mais elevados de integridade e responsabilidade. Estes casos não apenas levantam questões sobre a conduta individual dos políticos envolvidos, mas também sobre a saúde e resiliência das instituições democráticas. As implicações éticas e práticas dessas decisões têm consequências duradouras na confiança pública, na eficácia governamental e na integridade do sistema democrático.

Entre a presunção da inocência de um lado, e a ética e a moral do outro, sei bem o que escolho.

2. O PSD Madeira atravessa a maior crise da sua história. As razões são inúmeras e não se prendem só a questões do imediatismo que vivemos. Vêm de longe e são intrincadas.

Sempre houve, nos social-democratas regionais, uma espécie de liderança de predestinados. E isso é perigoso, muito perigoso, pois acalenta nessas pessoas uma espécie de messianismo político cujo resultado nunca augura nada de bom.

Este fenómeno, longe de ser uma novidade, tem raízes profundas na psicologia e na sociologia. Ao longo da história, diversas sociedades testemunharam o surgimento de líderes carismáticos que, prometendo transformações radicais, acabaram conduzindo os seus seguidores por caminhos perigosos.

Uma das principais questões em jogo é a dinâmica de poder e como ela é exercida. Líderes que se veem como predestinados, frequentemente, procuram consolidar o seu poder, minimizando ou eliminando, de várias formas, qualquer forma de oposição ou crítica. Esta consolidação de poder não ocorre no vácuo, é muitas vezes acompanhada por uma retórica persuasiva que apela às emoções e esperança das pessoas, criando uma narrativa onde o líder é visto como a única esperança para a redenção ou salvação.

Isto pode ser explicado, em parte, pela teoria da identificação do líder. As pessoas são atraídas por aqueles que parecem oferecer uma solução para os seus problemas ou uma resposta para as suas inquietações. Neste processo, os seguidores projetam as suas próprias esperanças e desejos em quem lidera, muitas vezes ignorando sinais de alerta ou racionalizando comportamentos problemáticos.

Há, na Madeira, um certo culto da personalidade, que se desenvolve em torno destes predestinados e que têm um impacto profundo na estrutura social e política. Isto, não apenas, distorce a realidade, mas também pode leva a um enfraquecimento das instituições democráticas e à erosão dos mecanismos de controle e equilíbrio de poder.

Outro aspecto importante é o papel da imprensa e da comunicação na promoção ou no questionamento destas figuras. Num tempo dominado pelas redes sociais e pela informação instantânea, a capacidade destas lideranças de moldarem a sua imagem e disseminarem a sua mensagem é amplificada, o que leva a uma maior polarização e à formação de bolhas informativas onde oposições racionais e críticas construtivas são afastadas.

O perigo inerente de se adotar uma mentalidade de “o fim justifica os meios” tornou-se numa realidade. Quando um líder se considera predestinado para uma missão maior, qualquer acção pode ser justificada sob a premissa de que serve a um propósito maior. Esse tipo de raciocínio leva a violações de direitos e a práticas autoritárias pouco democráticas.

É também essencial considerar o impacto psicológico e sociológico sobre os indivíduos que se desiludem com estes líderes. Quando as promessas utópicas falham, pode ocorrer um profundo sentimento de traição e desilusão, levando a uma perda de fé não apenas no líder específico, mas nas instituições e na própria sociedade.

Questionar e combater o fenómeno dos líderes autoproclamados predestinados é vital para a saúde de uma sociedade democrática. Encorajar a educação crítica, o pensamento independente e o respeito pelas instituições democráticas são passos fundamentais para prevenir os perigos associados a esse tipo de liderança.

3. A estratégia política de invocar a figura do “inimigo externo” é intrinsecamente perigosa e contraproducente para a coesão interna da Madeira. Esta abordagem desvia a atenção dos nossos problemas internos. O PSD Madeira e o Governo Regional são exímios em utilizar a ideia da ameaça externa para tirar o foco de questões críticas como a economia, saúde, educação, etc. Esta tática de distração, só prejudica o desenvolvimento da Madeira e o bem-estar dos madeirenses.

Ao demonizar um suposto inimigo externo, cria-se um ambiente de medo e de ódio, o que leva a uma polarização exacerbada da sociedade, enfraquecendo a coesão social e incitando potencialmente a conflitos internos. As polarizações são sempre prejudiciais à democracia, pois impedem o diálogo construtivo e a busca de soluções comuns para problemas compartilhados.

Esta estratégia tem muito a ver com desinformação e manipulação da opinião pública. Propaganda e informações falsas são utilizadas para convencer da existência da ameaça do inimigo. Isso não só degrada a qualidade do debate público, mas também impede que os cidadãos tenham escolhas informadas.

É importante considerar os ciclos de resposta recíproca que essa estratégia pode gerar. Quando se adota a narrativa do inimigo externo, a outra parte pode responder de maneira similar, criando um ciclo de hostilidade e desconfiança que é difícil de interromper.

Embora a ideia do inimigo externo possa parecer uma ferramenta política útil a curto prazo, os seus efeitos a longo prazo são largamente negativos, pois provoca danos significativos na coesão social interna, a erosão da democracia, tensões desnecessárias e propagação de desinformação. É crucial reconhecer estes perigos e em nos empenharmos em procurar soluções reais e construtivas para os problemas, em vez de recorrer a estratégias de distração e divisão.

Preparem-se, porque nos próximos tempos é disto que vamos ter. Disto e de vitimização, raiva, ataques soezes e política barata e baixa.