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Crónicas

Transparência

1. Livro: “O Velho que Lia Romances de Amor” de Luis Sepúlveda, mistura realismo com elementos mágicos, de onde se destaca a beleza e a brutalidade da natureza. Antonio José Bolívar Proaño, é um idoso que lê romances de amor depois de uma vida cheia de dificuldades e perdas. Mais uma vez Sepúlveda oferece-nos uma prosa poética envolvente, criando uma atmosfera que mistura a dureza da vida na selva com a sensibilidade das personagens que cria. Um pequeno livro que se lê de um fôlego.

2. Disco: “Aqualung”, o álbum icónico dos Jethro Tull, lançado em 1971, é considerado um marco na história do rock progressivo. Uma mistura inovadora de rock, folk e elementos progressivos, reconhecido tanto pela sua inovação musical quanto pelas suas letras provocadoras e reflexivas.

3. Não podemos continuar, na Assembleia Legislativa Regional, a viver apoiados na “verdade conveniente”. A verdade é a verdade. Completa. No dinâmico e complexo cenário político contemporâneo, a verdade emerge como um pilar fundamental para a construção de uma governança eficaz e justa. A verdade não é apenas um conceito moral ou ético; é uma necessidade pragmática para o funcionamento adequado dos sistemas políticos.

A essência da verdade na política reside na capacidade de formar uma base sólida que ajude à tomada de decisões. Decisões políticas informadas e transparentes levam a políticas mais eficientes e justas. A verdade, neste contexto, serve como um alicerce para a confiança pública nas instituições políticas e nos eleitos. Uma governança fundamentada na verdade e na honestidade é mais propensa a promover o bem-estar colectivo e a justiça social.

A ausência de verdade pode levar a consequências desastrosas. A desinformação e a manipulação de factos resultam em políticas mal informadas, polarização social e erosão da confiança pública. Em casos extremos, a falta de transparência e honestidade pode até mesmo ameaçar a estabilidade e a segurança.

A promoção da verdade na política, mediante práticas como a transparência e a prestação de contas, contribui para uma maior participação cívica e fortalece a democracia. Quando os cidadãos têm acesso a informações claras e verdadeiras, estão mais capacitados para tomar decisões informadas e participar ativamente nos processos políticos.

A conveniência da verdade na política é indiscutível. É essencial para a criação de um ambiente político saudável, justo e eficiente. A verdade deve ser cultivada e protegida como um valor central na prática política, garantindo assim o fortalecimento contínuo da democracia e da sociedade na totalidade.

4. A Iniciativa Liberal propôs, na semana passada, na Assembleia Regional, a criação de um Portal de Transparência que acompanhasse toda, reforço o “toda”, a informação que tivesse a ver com a aplicação de fundos comunitários. A sua implementação estaria a cargo do IDR (Instituto de Desenvolvimento Regional) e seria acometido a uma entidade externa, independente, por concurso público, e que nunca tivesse tido qualquer relação com as entidades governamentais regionais. Ao IDR competiria fornecer toda a informação contida nos processos. Acabar com a opacidade e deixar tudo transparente e à vista. Só assim se pode fazer o tão necessário escrutínio.

Nem de propósito, na sexta-feira passada ficámos a saber que, ao procedimento das bases de dados do Governo, foi recusado o visto pelo Tribunal de Contas. Se quisermos ver esse processo para verificar onde está o problema, não o podemos fazer.

Esta proposta não era mais do que fazer regionalmente o que a Iniciativa Liberal já tinha proposto, e visto aprovado, em sede de debate do Orçamento de Estado de 2021 e no de 2022. Tanto num caso como no outro, o Governo da República não implementou na totalidade o que foi aprovado. É assim falso que tenha sido o Governo apoiado pelo PS a ter a iniciativa de criar o Portal Mais Transparência, como alguns quiseram fazer acreditar. Quero deixar aqui a nota de que o PS, em 2021, quando governava em minoria, votou contra esta proposta.

A de 2022 propunha uma actualização do portal com: acesso à informação integral dos processos; que essa informação fosse sempre colocada em tempo real, ou seja, com atualizações constantes; que contivesse todos os dados sobre o seu grau de realização; quais os objectivos a atingir; as entidades promotoras; os detentores e beneficiários afectos, bem como parceiros e entidades responsáveis pela selecção atribuída; e que avançasse para a interoperacionalidade com outros portais, por intermédio de tecnologias API (interface de aplicação de programação). Muito pouco do acima foi implementado.

No debate tido na semana passada na Assembleia Regional, houve quem tentasse vender a ideia de que o Portal Mais Transparência é de extração fácil, automática e exaustiva. Não é! A informação que lá está é estática e não dinâmica, como deveria ser, e não contém a maioria da informação que deveria ter.

Os contribuintes madeirenses têm todo o direito de saber como é gasto o seu dinheiro:

Têm o direito de saber onde.

Têm o direito de saber quando.

Têm o direito de saber como.

Têm o direito de saber quem.

Têm o direito de saber porquê?

Porque será que as justificações da atribuição dos fundos não são de conhecimento público? Onde estão os pareceres que viabilizam os projectos? Os estudos de custo/benefício? A comprovação da viabilidade económica?

Mais, e os procedimentos que foram chumbados? Onde se os podem consultar? Como podemos ver as razões que levaram ao chumbo?

A resposta é curta e simples: em lado nenhum.

Fala-se à boca cheia de confidencialidade. Mas essa dita confidencialidade o que perpétua é a falta de transparência. Têm medo do quê? Que possamos ter acesso ao que consideram ser informação só para alguns? Porque é que não querem que tenhamos acesso a todos os dados sobre os processos?

A cultura de exigência tem de passar a fazer parte do nosso vocabulário. Isto não pode continuar assim. Os deputados, os governantes, os que exercem a política não podem continuar, assoberbadamente, a considerar que os madeirenses não têm o direito de saber como são aplicados os seus recursos. Basta!

As determinações comunitárias obrigam a que toda a informação seja acessível. Mas há mais: a Lei de Acesso aos Documentos da Administração também obriga a essa acessibilidade. Cito o seu art.º 5.º: “todos, sem necessidade, de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende o direito de consulta, de reprodução, e de informação, sobre a sua existência e conteúdo”.

Temos de pôr um fim nesta cultura de política de segredo, de destratamento da verdade, de considerar que os madeirenses não têm o direito de saber tudo o que afecta e empacta com a sua vida. É do dinheiro dos nossos impostos que estamos a falar.

A transparência na atividade política não é apenas uma norma ética desejável, mas uma pedra angular fundamental para o funcionamento eficaz de uma democracia saudável. Esta virtude traz consigo inúmeros benefícios que fortalecem tanto a integridade do sistema político, como a confiança pública nas instituições governamentais.

As questões da transparência não têm a ver com suspeição. Têm a ver com percepção. E a percepção que os madeirenses têm da actividade política é péssima. A transparência é crucial para construir e manter a confiança do público nos seus líderes e instituições. Quando os políticos agem de maneira aberta e as suas decisões e políticas são facilmente acessíveis e compreensíveis para o público, isso gera uma sensação de responsabilidade e confiabilidade. Em contrapartida, a falta de transparência leva ao ceticismo, à desconfiança e a um afastamento entre os cidadãos e os seus representantes.

A transparência fortalece a legitimidade da democracia. Um sistema político transparente é visto como mais justo e legítimo aos olhos de todos. Quando as pessoas acreditam que o seu governo age de maneira aberta e justa, são mais propensas a apoiar e respeitar as decisões tomadas, mesmo que não concordem totalmente com elas.

A implementação de um Portal de Transparência, como o proposto, reforçaria a premissa de que a verdade é um pilar essencial na política. Seja prevenindo abusos de poder, gerenciando crises ou garantindo eleições justas, a transparência e a honestidade são cruciais para a integridade e eficácia da governança. A verdade, portanto, não é apenas uma questão moral, mas uma necessidade pragmática para o funcionamento saudável da democracia.

5. Promover a verdade e combater a desinformação na política requer uma abordagem multifacetada que passa pela educação, legislação e tecnologia. Ao implementar soluções como a proposta, de maneira integrada e equilibrada, fortalecemos a integridade da política e da democracia. A verdade não é apenas uma questão de ética, mas uma necessidade prática para a saúde e o bem-estar de uma sociedade informada e engajada. Não há meia transparência. Não há meio-termo.