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Ainda haverá salvação?

Sócrates, o Ateniense, nos seus diálogos filosóficos, usava a pergunta como método, de modo a conduzir as pessoas a examinar as suas próprias crenças e valores, numa estimulação do pensamento crítico e da autorreflexão, persuadindo a racionalidade a se manifestar. Responder à pergunta que dá título a este artigo, afigura-se uma tarefa labiríntica, e muito provavelmente, inglória, pois desafortunadamente, a conclusão, poderá, tendencialmente, ser negativa.

O mundo criado pelo homem, tem vindo a explorar incessantemente os recursos naturais do planeta terra, e mesmo que hoje decidíssemos parar de emitir gases nocivos para a atmosfera, causadores do já, infelizmente, afamado efeito estufa, os resultados dessa paragem não teriam qualquer influência na escalada de temperatura, pois continuaria a subir nas próximas décadas. As consequências são devastadoras e descrevem-se como, degelo das calotes polares e consequente aumento do nível da água do mar, cheias, e consequente destruição de inúmeros ecossistemas e sua biodiversidade, migração de espécies de animais, secas, desregulação das estações do ano e como sequela, alterações na agricultura de estação, e fenómenos climáticos extremos, imprevisíveis, a ocorrerem com maior frequência. Com o nível de conhecimento difundido na atualidade, é difícil não percecionar que ao diminuirmos, através da destruição voluntária, a variedade biológica, com o seu conjunto de diferentes formas de vida, nomeadamente, plantas, vegetais, animais, fungos, seres microscópicos, e às suas interações nos ecossistemas em que habitam, estamos lentamente, e no presente com uma rapidez alucinante, a cavar a sepultura coletiva da humanidade. Pelo menos, tal como a conhecemos. A biodiversidade, da qual fazemos parte, é afetada de forma irreversível, através da cegueira instalada do mais crescimento económico, fundada numa economia insensata, assente na produção, consumo, produção. Sem a biodiversidade, é impossível ser-se humano, pois é evidente que dependemos da natureza, na sua ampla diversidade, para que possamos existir. É através de uma natureza diversa e equilibrada e com o contributo de todos os seres nela existentes, que é possível viver no planeta Terra, onde a polinização das plantas e árvores, passando pelo cuidado com a qualidade das águas dos oceanos, até à qualidade do ar que respiramos, são essenciais. Que o planeta sobreviverá em face do agonizante estado em que se encontra, será quase uma garantia, mas o problema é que não é a Terra, que está apenas em perigo, somos (também) nós, enquanto seres humanos, enquanto humanidade. Para os realistas, talvez não faça sentido tentar inverter o rumo, pois grande parte do que até aos dias de hoje foi considerado evolução, traduz-se num bilhete de entrada, para um espetáculo de terror, ao retardador, onde o título é: “A via para o suicídio coletivo”, não havendo, realisticamente, retrocesso possível, e assim “o último (ser humano) que apague a luz”. É que, apesar de todas as boas vontades no sentido de inverter a rota autodestrutiva que o mundo segue, a verdade é que com o aumento exponencial da população, o modelo económico neoliberal endeusado, que se espalha, a má distribuição da riqueza produzida, a deterioração dos afetos, (sub-repticiamente desvalorizados e continuamente apenas acantonados no conceito de família), entre outras questões, querer mudar o mundo de forma a dar-lhe um formato menos nocivo, menos hostil, talvez seja imaturo. Freud, o pai da psicanálise, na sua teoria das pulsões “Eros (Vida)” e “Tânatos (Morte)”, defendia que elas agem em conjunto, e que através da Pulsão da Morte, o ser humano procura a autodestruição e o retorno a um estado inanimado. Mas mal sabia ele, que a “Pulsão da Morte” viria a predominar. Mas para os idealistas, sim, faz sentido continuar a lutar para levar o ser humano a interiorizar que é o maior predador do planeta, e cumulativamente, é também, para ele próprio, o seu maior inimigo. Adotar uma atitude de responsabilidade com o mundo, onde a ética, a moral, o respeito pela natureza e por todos os seres vivos, estejam firmemente fundeados, sim, vale a pena, não só porque reflete aquilo que é e deve ser a verdadeira natureza humana, mas também, como exemplo para as gerações atuais e vindouras, que se não tiverem modelos de comportamento exemplar, terão ainda menor motivação para “tentar salvar o mundo”. A frase, “Seja a mudança que quer ver no mundo”, atribuída a Mahatma Gandhi, será um bom mote para se estar ao lado dos idealistas.