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Alteração de última hora do PS é inconstitucional

Depois de muitos meses de trabalho, conseguimos apresentar e fazer aprovar na Assembleia da República um novo enquadramento legal, imprescindível para combater o flagelo das novas substâncias psicoativas.

A aprovação desta nova ferramenta jurídica constituiu uma excelente notícia para a Madeira e para todos os que diariamente tudo fazem para combater este fenómeno bastante preocupante e que tantos danos causa a quem consome estas novas drogas.

Volvidos mais de vinte anos, conseguimos aprovar uma iniciativa legislativa que é pioneira por representar um avanço bastante significativo na forma como se tratam os consumidores destas novas substâncias e por impor ao Governo da República um prazo de seis meses para a atualização e para a criminalização de novas drogas que, entretanto, surjam no mercado.

Todas as alterações propostas por nós, foram bastante elogiadas e acolhidas por todos os intervenientes do setor e aprovadas por uma larga maioria no parlamento.

Estava tudo a correr muito bem, até que o PS se lembrou de apresentar uma alteração legislativa de última hora que também foi aprovada e que pretende descriminalizar o consumo de todas as drogas independentemente das quantidades, facilitando aos traficantes justificarem a sua posse, alegando que as mesmas se destinam ao seu consumo.

Manifestamos desde a primeira hora, a nossa frontal oposição e discordância a esta alteração apresentada pelo PS que nada tem que ver com o problema das drogas sintéticas, mas que lamentavelmente o vai acabar por afetar.

Esta alteração legislativa socialista, não faz qualquer sentido e ao contrário da relativa às drogas sintéticas não é necessária, foi contestada por todas as entidades ouvidas e vai trazer inúmeros problemas a quem tem de aplicar a lei, nomeadamente à PSP e aos tribunais.

Estamos perante uma alteração que é inconstitucional e esperamos que o Sr. Presidente da República actue perante as dúvidas de constitucionalidade que esta alteração suscita e para a quais alertamos nas duas declarações de voto escritas que apresentámos no parlamento.

Com as alterações propostas pelo PS e que se aplicam a todas as drogas, não conseguimos saber com rigor e com a certeza que devem ser exigidas às normas penais, como é efetuada a distinção entre o consumidor e o traficante e quando é a que a detenção e aquisição em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui, ou não crime de tráfico.

Há vinte e dois anos que o consumo de drogas clássicas deixou de ser considerado crime no nosso país, contudo continua a ser um acto punível por lei, sendo a distinção entre consumidor e traficante, ou seja, entre a aplicação de contraordenações e a condenação pela prática de um crime, feita essencialmente com base num critério objetivo que assenta numa quantidade diária definida.

À luz da legislação atualmente em vigor, se alguém for encontrado por exemplo, com 50 gramas de cocaína pratica

um crime de tráfico, porque é uma quantidade bastante superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. Com a proposta socialista, aprovada no último dia de votações da Assembleia da República, não sabemos se essa pessoa pratica ou não um crime de tráfico – apenas sabemos que a detenção dessa quantidade de droga constitui um mero indício de que o propósito poderá não ser o de consumo.

Também não sabemos, a partir de que quantidade é que a conduta passa a constituir crime de tráfico e não se destina exclusivamente ao consumo próprio.

Esta indefinição não é desejável no domínio penal, causa uma enorme insegurança jurídica e padece a nosso ver de inconstitucionalidade por violação do princípio da tipicidade.

Não somos só nós que o dizemos, mas também um conjunto de entidades que foram ouvidas no processo

legislativo, como a Polícia Judiciária e o Conselho Superior do Ministério Público e que se manifestaram contra.

É caso para dizer que “o que nasce torto dificilmente se endireita” e esta alteração de última hora do PS, a que, entretanto, aderiram a IL, o PCP, o PAN e o Livre, foi apresentada contra tudo e contra todos, já que para além dos operadores judiciários referidos também o Ministro da Administração Interna, o Ministro da Saúde e nove deputados socialistas manifestaram as suas reservas alertando que “muitos traficantes irão, facilmente justificar a posse de drogas, alegando que as mesmas se destinam ao seu consumo” e que a alteração aprovada “poderá dificultar gravemente, a

actuação dos órgãos de polícia criminal e do Ministério Público”.

O Ministro da Administração Interna apelou a uma “maior ponderação “tendo em conta que o que “as forças de segurança vêm no terreno, é que muitas vezes os traficantes de droga utilizam os toxicodependentes, distribuindo por várias quantidades que são ínfimas, mas que, estando associadas, constituem dimensões mais significativas”.

Também o Ministro da Saúde criticou publicamente esta proposta do PS e pediu ‘prudência” para que “não se aproveite uma boa ideia” para tornar as drogas sintéticas “equivalentes a todas as outras substâncias aditivas, “para adensar as dificuldades que as entidades policiais e judiciais têm no terreno para conseguir fazer o que devem fazer”.

Infelizmente e pese embora estas vozes críticas, o PS fez “ouvidos de mercador” manteve a alteração e “levou a sua avante”.

Perante esta intransigência do partido socialista que acabou por pôr em causa a nossa boa ideia só nos resta apelar ao bom senso e à ponderação do Sr. Presidente da República, fazendo votos que a visita do Papa Francisco a Portugal no âmbito das jornadas mundiais da juventude seja inspiradora na busca de uma solução para um problema a que nos propusemos resolver de frente e que aflige a nossa sociedade e ameaça os nossos jovens.

Como referiu o Santo Padre “é necessário enfrentar os problemas que estão na raiz no uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em dificuldade e dando esperança para o futuro”.