Análise

Listas de espera fora do jogo político

Ter acesso a cuidados de saúde dignos é uma prerrogativa constitucional nem sempre observada pelos serviços públicos, por variadíssimos motivos.

Na Região o debate sobre o sector tem girado, sobretudo, em torno das listas de espera para consultas e cirurgias, acompanhado de imenso ruído, sendo mesmo utilizado como arma de arremesso político. O JPP fez disso bandeira e o PS ‘surfou a onda’.

De acordo com os dados oficiais do Serviço Regional de Saúde, designadamente o Relatório de Actividades e Gestão, existiam a 31 de Dezembro de 2022, 30.808 consultas e 18.143 cirurgias em atraso. O Partido Socialista contraria os números e assegura que, afinal, o número de utentes a aguardar consulta é superior a 44 mil e os que esperam cirurgia, 20 mil.

Governo e SESARAM negam categoricamente a contabilidade socialista justificando a diminuição das famigeradas listas com a produção adicional em diversas especialidades e com a ‘limpeza’ de doentes que já se trataram, entretanto. Outros terão emigrado e outros, falecido.

Perante as acusações públicas reiteradas e com oscilação de números ou o PS tem dados concretos de que as entidades públicas manipulam as listas de espera e denuncia a ‘batota’ à Justiça, mantendo a via da judicialização política que enveredou nos últimos tempos ou está a contribuir para o folclore demagógico em torno da saúde pública.

Este diferendo sobre um tema tão sensível pode alimentar discussões nas redes sociais e engrossar a agenda de temas polémicos em ano de eleições, mas não ajuda com certeza os que precisam efectivamente de uma consulta médica e de uma cirurgia.

Sabemos que nem tudo está bem na área da saúde, que continua a haver demoras injustificáveis (não se compreende uma espera de anos por um acto clínico, nem favorecimentos no acesso aos cuidados hospitalares), especialidades com graves carências de profissionais, interesses privados misturados com o público, prevenções fictícias de profissionais sem escrúpulos e jogos de bastidores para lançar o caos em alguns serviços. Não podemos, no entanto, não reconhecer que também tem sido feito um esforço para resolver problemas. O Processo Clínico Único é um exemplo. De certeza que há médicos com um pé no hospital e dois no privado que não gostam do modelo que vai permitir o acesso à ficha clínica do doente quer ele esteja no público ou no particular, evitando-se assim a duplicação de exames e procedimentos caros e desnecessários.

Não se pode, no quadro actual e a bem da honestidade, comparar a situação da saúde na Região com o drama vivido em muitas localidades do continente, apesar das insuficiências existentes.

Aos partidos da oposição compete fiscalizar a acção do governo e exigir transparência e profissionalismo à administração da empresa pública que gere o sector, também no acesso aos números de doentes em lista de espera. Mas não lhes compete, de todo, contribuir para descredibilização do pilar mais importante da sociedade, em atirar factos ‘imprecisos’ para baralhar a opinião pública.

Lançar números ao calha está fora de equação, ainda para mais em partidos com aspirações de poder.

2. A baixa taxa de natalidade está a hipotecar o futuro. Desde 2009 que o saldo natural na Região é negativo. A quebra anual de nascimentos é dramática e revela que este é o nosso maior desafio.

Não precisamos de mais vias rápidas, de mais pavilhões ou de campos de futebol. Precisamos de crianças. E cabe aos poderes públicos criarem condições para que as pessoas tomem a decisão de ter (mais) filhos.

Iniciativas avulsas não resolvem este problema estrutural. É até risível a decisão de o governo da República a isentar emissão de Cartão de Cidadão para bebés até um ano… A natalidade só vai aumentar quando houver decisões duradouras que baixem significativamente os impostos, que isentem de IVA produtos alimentares específicos para bebés e apostem na educação gratuita em todos os níveis de ensino. Não é uma utopia, é uma prioridade.