Análise

Hipocrisias

1. Miguel Albuquerque sabe que só uma hecatombe lhe roubará a tão desejada maioria absoluta no próximo dia 24 de Setembro. Arrumada a questão da coligação pré-eleitoral com o CDS, partido absolutamente dispensável para a conquista da dita maioria inequívoca, como revela a última sondagem do DIÁRIO, nada simpática com Rui Barreto, que até foi ignorado na feitura dos cartazes que o PSD espalhou pela cidade.

O líder do PSD-M conta com uma conjuntura económica favorável, com desemprego baixo, apesar da muita precariedade espalhada, com recordes no Turismo, com uma saúde que vai cumprido, apesar das famigeradas listas de espera e dos picos de afluência infernais no Serviço de Urgência. Fora dos ‘casos e casinhos’ que têm prejudicado a acção do governo da República, Albuquerque sai favorecido pela paz política em que vive o seu governo, onde não se vislumbra nenhum candidato à sua sucessão. Isso deixa-o descansado e com liberdade de acção para não se ralar com ambições desmedidas dentro de portas. Está tudo sob controlo. Com uma oposição que não consegue descolar, antes pelo contrário, o presidente que vai a caminho do terceiro mandato, vai conseguir a proeza de manter o seu partido no poder por 50 anos consecutivos. Alternância, tão saudável e desejável num regime democrático, é coisa que não entra no léxico do eleitorado nem entusiasma como deveria o único partido com capacidade de chegar ao topo, o PS. Merece estudo científico a perpetuação do PSD-M no poder por meio século e a incapacidade dos socialistas em capitalizarem as suas fraquezas, motivadas por anos de controlo férreo da máquina da administração pública.

Havendo a percepção fortíssima de continuidade, foi completamente imprudente Albuquerque ter tido a necessidade de dizer, no Palácio de Belém, que para si não há linhas vermelhas inultrapassáveis. Isto é, recorrerá ao Chega se precisar, numa hipótese remota, daquele partido conotado com a extrema-direita, para governar. Mesmo sendo aceite pelo Tribunal Constitucional, o Chega é um catavento político que viola, com as suas ideias e propostas, os princípios constitucionais. Nem vale a pena dar exemplos, porque qualquer cidadão minimamente atento chega lá num instante. A demagogia política e o aproveitamento que aquele partido faz deveriam envergonhar o líder de um partido fundador da democracia portuguesa. Não se entende o receio manifestado perante uma agremiação formada por um só homem. Por acaso André Ventura é candidato às eleições legislativas na Madeira, como se depreende erradamente nos cartazes espalhados pelas ruas?

Ao conceber uma aliança com o Chega, Albuquerque menospreza e fragiliza ainda mais o CDS. E transmite-lhe um sinal muito claro.

2. Hoje o primeiro-ministro participa no jantar que dá o arranque às jornadas parlamentares do PS. Não sabemos o que traz António Costa na bagagem para ajudar na campanha socialista nem que promessas vai fazer aos madeirenses, na terra que é para si uma “obsessão”. Há uma série de dossiers sobre a mesa há tempo de mais que nunca foram solucionados, com a mobilidade à cabeça. Bem como excessos cometidos de parte a parte na resolução dos problemas.

O secretário-geral socialista não vai ter manifestações de professores, nem cartazes insultuosos de manifesto mau gosto à sua espera, mas não vai conseguir capitalizar nenhuma onda de excepcional apoio numa região onde não conseguiu retirar o PSD do poder nas eleições (2019) em que se empenhou mais a nível pessoal. Costa não deverá repetir a façanha no apoio, no terreno, a Sérgio Gonçalves, que terá até mais a ganhar com a ausência de um primeiro-ministro desgastado pelas constantes polémicas que envolvem o seu governo.

3. O Mundo parou por causa de uma terrível tragédia que vitimou cinco pessoas num submersível. Pessoas ricas que queriam visitar os destroços do mítico Titanic. O acompanhamento do caso ao minuto prendeu-nos às notícias até à confirmação do pior cenário. A atenção foi tanta que até esquecemos as centenas de migrantes que naufragaram no mar da Grécia. Desde 2014 já desaparecerem no Mediterrâneo 27 mil migrantes. O Mundo esqueceu os que fogem da morte em situações deploráveis e desumanas. Os vulneráveis dos vulneráveis. Os tais para quem o partido conotado com a extrema-direita portuguesa não devem ter lugar na Europa.

Como escreveu nas Cartas do Leitor de ontem Pedro Freitas, esta atitude mostra a “falência dos deveres de uma sociedade”, que não tem tempo para se ocupar com dramas humanitários de dimensão gigantesca, mas que corre atrás da ‘espuma dos dias’ e se compadece quase hipocritamente com a desgraça de cinco pessoas que iam desfrutar de um passeio submarino.