Artigos

O turismo que temos

Aquando da tempestade no início de Junho, o serviço regional de protecção civil emitiu – e bem – um aviso de mau tempo. Consequência disso, o serviço que superintende as levadas e trilhos da Madeira fechou – e bem – todos os PR da ilha.

Estranhamente, mesmo assim, houve quem achasse bem aventurar-se. Lamentavelmente, pelo menos uma pessoa foi atingida por uma pedra antes que os percursos fossem inspecionados e reabertos. Estranhamente, não consigo sentir a mínima empatia por esta pessoa.

Estranhamente, no meio de uma dia de chuva muito forte, houve quem achasse que bom mesmo era ir ver de perto a Cascata dos Anjos. O facto da estrada estar fechada não lhes serviu de aviso, e arrancaram a pé através dos túneis em direcção à cascata.

Entretanto, nas semanas que antecederam e se sucederam a esta intempérie há relatos de centenas de casos de viaturas, normalmente de aluguer, estacionadas por toda a ilha, de forma a dificultar a circulação. E quando chamados a atenção, a resposta qe os parece ilibar é que “são turistas”.

Sempre tivemos visitantes estranhos, ou egoístas, ou irresponsáveis… mas nunca como agora isto se vê de forma tão clara. É a toda a hora, e em todo o local. Com a massificação do destino – coisa que sempre nos garantiram que não aconteceria – começaram a rumar à ilha todo um público que – defendo – não traz nada de novo e de útil à Madeira. Mas que, tão mau como isto, afasta da ilha os seus públicos tradicionais.

Não é que eu ache que os públicos que tínhamos há dez e quinze anos fossem fenomenais. Mas a evolução fez-se na direcção errada. Em vez de nos preocuparmos em aprimorar o nosso mercado, fizemos questão de o aumentar, o que nos força a procurar clientes que são apenas número.

E que são os clientes que têm levado aos comportamentos que temos vindo a ver… indisciplinados, barulhentos, irresponsáveis, inconscientes, egoístas. E, em última análise, inúteis para o destino. Alugam um carro, pelo mínimo dos mínimos. Muitas vezes sem os seguros adequados. Dormem no carro, ou numa tenda num qualquer canto da ilha. Espalham lixo e dejetos por todo o lado, acampam nos parques naturais (quais licenças?), e fazem fogueiras no meio das florestas (quais regras?)

A prioridade da Madeira devia ser o valor acrescentado, nunca o número. Mas manter/limitar a oferta feriria os interesses dos hoteleiros, particularmente dos grupos mais próximos do sistema. Logo, toca a deixar construir. Mais ou menos a eito. Ao mesmo tempo, deixou-se explodir o fenómeno do alojamento local… Penso que a oferta Madeira terá duplicado, ou mais, nos últimos dez anos. E encontrar procura para alimentar tudo isto levou a uma diminuição dos standards. Insistiu-se na entrada no mercado das low cost, e na liberalização do mercado regional. Uma das consequências do aumento da oferta é a diminuição da procura, e a forma de combater esta é diminuindo os preços. Logo, em termos práticos, ganhou-se muito pouco ou nada com a massificação do destino.

Um pouco a mesma coisa que se verifica com o mercado de cruzeiros… há armadores que trazem muito pouco valor acrescentado por turista, e que transformam a cidade num caos. Será mesmo que precisamos deles? Ou serão eles que precisam de nós? Porque há o Funchal de ser invadido várias vezes por semana por hordas de turistas indisciplinados, por centenas de bicicletas que não cumprem os mínimos de segurança (já as controlaram em termos de cumprimento da lei local?), e que violam todas as regras de transito e de civismo?

Porque há – e isto vê-se todos os dias – uma lei para locais e outra para turistas? Porque não se hão de grampar as viaturas dos prevaricadores, e exigir o pagamento da coima e da “taxa de grampagem” antes de os “liberar” de novo nas estradas da ilha? Garanto que uma equipa no Arieiro pagava toda a PSP da Madeira. Juntem-lhe as outras paragens da ilha (Cabo Girão, Rabaçal, Ponta de São Lourenço, Ribeiro Frio, …) e provavelmente pagar-se-ia toda a PSP do país… E em muito pouco tempo estes visitantes desregrados aprenderiam, e das duas uma… ou voltávamos a ter uma ilha normal, ou teríamos uma ilha rica à conta das coimas pagas…

E o mesmo se poderia dizer dos acampamentos selvagens um pouco por todo o lado, do espalhar de lixo por toda a ilha, dos casos de roupa a secar nas urzes do Fanal, e do excesso de rent a cars na Madeira.

Vamos pugnar por um turismo melhor, e por uma ilha mais nossa. Todos temos a ganhar com isso.