A matança do porco
Brilhava o granizo, Pico Ruivo abaixo sob aquela restea de sol, que timidamente aparecia naqueles rigorosos invernos de Santana naquela época, enquanto na povoação, outro granizo, se derretia debaixo dos pés descalços dos camponeses, que alheados ao frio o patinhavam nas suas tarefas campestres, que necessariamente tinham de ser feitas, independentemente das condições atmosféricas.
Era chegado o mês de dezembro e com ele, a contagem decrescente para o natal, naquela aldeia nortenha. Natal que tinha no seu advento a matança do porco.
As missas do parto eram referência para a marcação do dia da matança do animal, que começava em força, no dia da primeira missa do parto. Então marcava-se a festança, para a primeira missa, segunda missa e assim sucessivamente.
No mês de novembro, começava a engorda do porco com mais afinco, para que no dia do abate, este rendesse mais uns quilos de carne e, também porque era necessário, que o peso da banha aumentasse, para dar tempero aos alimentos ao longo do ano. Ao mesmo tempo, havia aquela prosápia, em apresentar um porco gordo, pois este ficava exposto até à tarde e, quando os amigos e os compadres fossem ver o porco, a convite do dono, dissessem “lindo animal, benza-te Deus”, ou outras frases elogiosas. Isto, depois de terem medido com os dedos, a grossura da banha através de um rasgo, que lhe era feito no lombo. Este convite, era pretexto para se tomar uma pinga e provar algumas iguarias, já que aquele dia era de festa. Era nesta época do ano, que o porco era mais bem tratado, para depois ter um destino fatal. Daí, o velho ditado popular, muito usado em Santana naquele tempo, “estás enganado como os porcos na festa”, isto quando se queria admoestar alguém.
Ao contrário do natal, que era uma festa familiar, esta folia, para além da família, privilegiava também os amigos. E, logo ao romper da aurora, com o lusco-fusco no horizonte, começava o burburinho, após um mata-bicho de aguardente, precedido de uma bucha, para quebrar o jejum.
De seguida procedia-se ao abate do animal, em que o marchante tinha de ser eficaz no golpe, pois se acaso falhasse e a guincharia se prolongasse, este era vaiado por alguns vizinhos com assobios, apupos e frases de chacota, (por exemplo: deita-lhe batatas).
Era uma tarefa divertida, onde havia gracejos, algumas partidas pelo meio, enquanto o garrafão, enchia e reenchia, um único copo, que dava a volta por todos os convivas, sempre acompanhado daquele “dentinho” que ia servindo de mata-borrão para amenizar o efeito evaporativo, do precioso líquido do Deus Baco, efeito esse, que acabava por notar-se na alegria e na cor, que se estampava em cada rosto.
Chegava a hora do almoço e, já com a tarefa cumprida, almoçava-se naquele ambiente alegre e sadio e, após os estômagos saciados, cada qual se encaminhava para as suas tarefas, que os esperavam nos campos agrícolas, numa promessa de regressar ao cair da noite, para dar continuação aquela festa, com a salga do porco, onde não faltavam as espetadas e outras iguarias, que aumentavam o sabor do ambiente, por si só, já muito saboroso. Antes disso, pela tarde eram as vizinhas, que se juntavam numa algazarra sadia, para irem à ribeira, lavar as tripas do porco, fazendo daquela tarefa, um agradável convívio, que terminava com um saboroso lanche.
No dia seguinte oferecia-se às pessoas mais consideradas, uma posta de carne, que fora selecionada durante a salga e, passava-se para o chiqueiro, então vazio, o bácoro que fora anteriormente adquirido, para substituir o porco da festa.
José Miguel Alves