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Salvem o Maritimismo

Quando, há dois anos, a maioria dos Maritimistas, entre os quais me incluo, decidiram mudar, não o fizeram para salvar o Marítimo; fizeram-no para salvar o Maritimismo.

Não o fizeram para salvar o Marítimo, porque a vastíssima maioria não sabia - e continua a não saber - qual era - e qual é - a verdadeira situação do Clube. Não se compreendia - nem se compreende - a sua real situação patrimonial. A verdadeira situação financeira. A exacta situação administrativa. O que é do Clube, da SAD, da SGPS. Ao fim de mais de duas décadas de liderança de Carlos Pereira, não era essa a principal preocupação dos adeptos do Marítimo, porque sobre isso tudo o que sabiam - e tudo o que sabem - é a grande nebulosa em que vive todo o universo Marítimo, de há largos anos a esta parte, e que ninguém é capaz de clarificar.

O que preocupava os Maritimistas há dois anos era o agudizar do Maritimismo: uma sucessão de projectos desportivos em que os Maritimistas se reviam cada vez menos, em morte lenta, angustiante, dolorosa, a determinada altura sufocante. Isso e uma relação cada vez mais difícil, distante, incompreensível até, entre associados e dirigentes - que, conhecedores, melhor do que ninguém, da realidade do Marítimo e, admito, bem-intencionados sobre o que pretendiam para o seu futuro, deixaram de ser capazes de explicá-lo aos Maritimistas e, acima de tudo, de compreender o seu sentimento de frustração. De se identificarem com ele. Com a agonia do Maritimismo.

Chegados aqui, é certo que a primeira missão dos futuros dirigentes do Marítimo parece ser, de facto, salvar o Marítimo. É isso que nos transmite quem mais sabe sobre o estado actual do nosso Clube. Ouvi atentamente, por exemplo, as palavras de Gonçalo Henriques sobre o “futuro muito negro” que nos espera. Essa será, inequivocamente, a principal missão de quem for eleito Presidente e para os órgãos sociais do Marítimo. Mas não é só isso que os Maritimistas esperam. Não é só, nem pode ser. O que os Maritimistas esperam, possivelmente o que mais desejam, é que o Maritimismo volte.

A minha história não é diferente da de muitos Maritimistas: crescemos, ainda crianças, a ir à bola com os nossos pais e tios no velhinho Caldeirão. Jogámos no Marítimo, enquanto tivemos jeito e talento para isso. Aos 12 anos, tornámo-nos sócios, porque a partir dessa idade era esse o requisito mínimo para entrarmos nos Barreiros. Festejámos golos do Alex. Criámos memórias que duram uma vida inteira. Aos 17, 18, 19 anos, fomos para o Continente estudar. Aprendemos ainda mais o que é ser Madeirense, aprendemos melhor ainda o que é ser Maritimista: que Clube a sério, um só – o Marítimo. Fomos à Luz, a Alvalade, ao Dragão. Fomos ao Restelo, a Setúbal e a Coimbra. Alguns foram ao Marítimo europeu. Fomos sempre onde a carteira nos deixou. Entre os 0 e os 30 anos, aprendemos que o Marítimo pode ser tudo: pode ser uma vitória em Alvalade, ou uma derrota na final da Taça da Liga frente ao Benfica. O Marítimo pode ser tudo, porque tudo pode ter a dimensão dos nosso sonhos. É por isso que, no meu caso e já depois de ter sido Vereador na maior autarquia da Região com o pelouro do Desporto, depois de passar pela tribuna, redescobri que a bola vê-se bem mesmo é no expoente máximo do Maritimismo: na Curva onde doutores, engenheiros, trolhas e pedreiros são iguais. Na Curva que está nos Barreiros, mas também esteve em Portimão, no Jamor, ou na Reboleira. De Norte a Sul, do Interior ao Litoral do país. Porque Maritimismo é saber que o Marítimo é de todos, para todos, por todos. É viver o Marítimo, onde quer que seja, com a intensidade de quem às vezes diz e faz coisas que não devia porque a paixão é irracional. De quem festeja às vezes e sofre muitas. De quem, no jogo mais bonito e mais triste das nossas vidas, aprendeu que o Maritimismo também pode ser derrotado.

Derrotado, mas nunca vergado. É isso que os nossos adeptos nos têm ensinado desde o jogo na Choupana: na segunda, mas com a cabeça na primeira! Joguemos onde jogarmos, é para ganhar. Sempre.

E serve tudo isto para deixar um pedido claro aos candidatos aos órgãos sociais do Marítimo: salvem o Marítimo - mas salvem o Maritimismo também. Expliquem ao nosso Treinador que o melhor que o Marítimo tem são estes adeptos. Expliquem aos nossos jogadores que Maritimismo é querer ganhar sempre - contra o Porto, ou contra o Canelas, ontem, hoje e amanhã. Expliquem-nos, a nós, sócios e adeptos, como, quando e onde é que vamos voltar a ver Maritimismo em todas as horas dentro de campo: o mesmo que nos fez sonhar em crianças; o mesmo que nos fez chorar em adultos.

Salvem o Marítimo – mas não deixem morrer o Maritimismo!