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7 de novembro: a tempestade

Tinha acabado de aterrar em Lisboa, no dia 7 de novembro, manhã cedo, a caminho da Assembleia da República para participar na reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional com os deputados da Assembleia Legislativa da Madeira que integram a Comissão Eventual para a Consolidação e Aprofundamento da Autonomia, quando tive conhecimento das notícias que davam conta de buscas na residência oficial do Primeiro-Ministro e na casa do Ministro das Infraestruturas, João Galamba, bem como de detenções de suspeitos, incluindo do Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro. Segui para a Assembleia da República, onde acompanhei todos os desenvolvimentos posteriores e, com a informação da ida da Procuradora-Geral da República a Belém, percebi que a situação era, de facto, muito séria e que o desfecho que depois se confirmou seria absolutamente inevitável. A Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado que fala no “conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto” dos negócios do hidrogénio e do lítio. António Costa era levado para um beco de uma só saída.

Entretanto, a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional reuniu, já depois do anúncio oficial da demissão óbvia do Primeiro-Ministro, e, naquela reunião, percebi claramente que não existe uma vontade política séria para rever o quadro constitucional autonómico. Da Assembleia da República só os deputados do PS, do PSD, do Chega e do PCP se pronunciaram. Do PSD e do PS só os deputados eleitos pela Madeira falaram. Era a Madeira a falar com a Madeira. E mais ninguém se comprometeu. Os outros deputados da República foram passeando por ali naquele desfile de acomodados que flutuam na sua própria vaidade. Muito pouco. Era a República a evitar qualquer compromisso ou envolvimento na revisão de um quadro constitucional autonómico com quase 20 anos. O PCP defendeu mesmo a atualidade da Revisão Constitucional de 2004, manifestou-se contra o processo de revisão das autonomias e defendeu a manutenção do Representante da República. O PS procurou confundir para deixar tudo igual. Naquele momento, percebi que a tempestade política que a Justiça precipitou, e que leva à decisão de dissolução do Parlamento, passava a ser, nesta legislatura, um mero impedimento formal, num processo que, lamentavelmente, estaria já substancialmente comprometido.

Sobre a tempestade que fez cair o Primeiro-Ministro naquele dia 7 de novembro, lamento o triste espetáculo mediático a que temos assistido, de declarações públicas avulsas de protagonistas pagos que subvertem factos e provas num processo que a opinião pública naturalmente não conhece com a devida amplitude. Sou contra o ruído, mesmo o mais polido e silencioso. Não compreendo as conferências de imprensa oficiais de desresponsabilização e desinformação. Defendo a presunção de inocência de António Costa, com a mesma intensidade com que entendo que o Primeiro-Ministro a deve também respeitar evitando condenar sumariamente outros suspeitos que com ele se relacionavam diretamente. Aliás, tenho alguma dificuldade em perceber a facilidade impiedosa com que António Costa dispensa, aniquila e condena todos à sua volta, enquanto, contra tudo e contra todos, até contra o Presidente da República, segura João Galamba. Por que razão tem João Galamba tanta força?! É uma questão que me intriga. Para além disso, julgo que se exige sempre um posicionamento sério de equilíbrio entre o respeito pela presunção de inocência e a confiança na consistência da investigação.

No meio de tudo isto, relembro apenas a intervenção do Presidente da República que, em maio deste ano, relativamente a mais uma tempestade socialista, disse: “não passou, nunca passa, reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos”.