Crónicas

Tertúlia do Tacho

Existem diversas forma de dividir a sociedade, para nós que gostamos de meter tudo em caixinhas, de criar nichos e grupinhos. Uma das minhas preferidas é a divisão entre quem vive para comer e quem come para viver. Respeito muito quem é adepto da segunda versão. Tenho aliás vários amigos que só se alimentam porque é necessário, para cuidar da própria saúde, alguns deles só para fazer uma cama para o vinho ou o tabaco. Nesses incluo os que não comem quase nada porque acham que tudo faz mal e dessa forma vão viver para sempre. Não vou ser eu que lhes direi o contrário, aprenderão com o decurso do tempo que ninguém é eterno. Com esses normalmente não estendo muito a conversa, não “alimento” muito as considerações e os mil e uns estudos que apresentam e que sacaram do Google. Eu faço parte dos primeiros, dos que a cada refeição vive para comer. Habituei-me desde cedo em casa a comer bem ou não fossem as minhas avós e a minha mãe cozinheiras de excelência. Aprendi a experimentar de tudo, mesmo que nos almoços de família, quando me apresentavam língua de vaca a tentasse esconder no meio do puré para enganar o palato.

Em Portugal damos muita importância às refeições, é cultural. Almoços que se prolongam pela tarde fora, muitas vezes desculpa para o pretexto de juntar os amigos ou a família, para reuniões importantes ou como primeiro encontro de um casal de namorados, para impressionar a pessoa convidada. Quando combinamos algo com alguém dizemos muitas vezes “não queres ir beber um café?”, com o café vai um bolinho ou uma bola mista para enganar a fome. Sou portanto dos que adora criar momentos, à volta de uma mesa e dos que gosta de proporcionar a outros, experiências culinárias que me agradaram e me marcaram de alguma forma. Se a gula é de facto um dos pecados mortais estou condenado ao Inferno sem passar pela casa da partida. É dos meus maiores prazeres, (eu pecador me confesso), o de estar à mesa com amigos, de estimular conversas profundas ou superficiais, saborear um bom vinho e rir muito, de preferência, quando o tempo o permite, sem horas para acabar. Gosto de falar de tudo e de nada e até de iguarias enquanto me debruço sob umas quantas.

Das coisas que mais me chateiam, porque a idade vai avançando e as calorias marcam cada vez mais o compasso é de, como diria um amigo meu, “queimar pneu”. Queimar pneu é comer uma coisa que não me está a dar prazer só por comer. Isto para dizer que várias vezes me desloco a sítios de propósito para experimentar aquele prato ou para repetir algo que me ficou na memória. Acho o turismo gastronómico das formas mais bonitas de conhecermos as raízes de outros e ao mesmo tempo de abrirmos os nosso próprios horizontes. Faço-o com regularidade, normalmente com pessoas que têm o mesmo gosto pela comida que eu. Há quem lhe chame superficialidade, mas também há quem ponha nomes e rótulos em tudo. Portugal é neste particular um país riquíssimo, cheio de diversidade e de sabores diferentes que se vão alterando conforme o distrito ou muitas vezes a terra onde nos encontramos. Cada pequeno espaço tem a sua especialidade, a sua forma de fazer, o seu próprio requinte. Tenho muita curiosidade em passear pelo país para absorver todos esses sabores, criar momentos que têm o seu epicentro à mesa mas que começam na viagem de ida e de regresso, nas conversas intermináveis, no abrir do jogo e nos aproximarmos uns dos outros. As refeições têm destas coisas, aproximar pessoas, criar laços e relações, abrir espaço à discussão e à troca de argumentos onde se soltam piadas e algumas frases que dizem muito mais do que à partida parecem. Ainda esta semana tive um desses momentos com a Susana, a Eduarda e o Luís. Ficar horas à mesa a misturar sabores com conhecimento pessoal uns dos outros.

Quero por isso, neste novo ano assumir esse desafio para mim e para os que comigo irão nesta aventura. O de partir à descoberta, uma vez por mês, numa espécie de Tertúlia do Tacho, um restaurante por distrito, sem esquecer as ilhas, onde nos entregamos à boa conversa e aos sabores regionais. Há quem possa fazer disso uma viagem pelas energias e conhecimento humano, talvez se aproveite para um qualquer workshop ou resulte num livro mas a ideia principal é mesmo de um “vá para fora cá dentro” como dizia o Turismo de Portugal e procurarmos descobrir os segredos e os temperos da cada região. Cada pessoa, no meu entendimento, deve procurar a sua qualidade de vida, mesmo nas pequenas coisas, nos prazeres que parecem à partida mais simples. Respeito quem não aprecie comida, mas eu não sou desses. E quem me ler até pode ficar com a ideia errada que gosto do “enfarta brutos”. Nada disso, gosto de provar, de experimentar, de saborear. Por isso a Tertúlia do Tacho este ano será uma realidade, conhecer o melhor que o nosso país tem para oferecer. Porque alimentar o estômago é no fundo também alimentar a alma e se o pudermos fazer numa espécie de road trip com amigos e boa música, estão reunidas condições para criar momentos perfeitos. E eu sou um colecionador de momentos perfeitos…