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Investigadora vê mais complementaridade do que erosão no actual sindicalismo

Foto PAULO CUNHA/LUSA
Foto PAULO CUNHA/LUSA

A intervenção do STOP no panorama sindical português representa, para a socióloga Maria da Paz Campos Lima, mais complementaridade do que erosão do sindicalismo clássico, ele próprio na origem dos movimentos sociais que emergem em alturas de crise.

"Os sindicatos têm sido vistos do ponto de vista da análise, da sociologia, como tendo uma dimensão de instituição e uma dimensão de movimento social. Os sindicatos combinam isto. Combinam esta tensão entre movimento social e instituição e como movimento social são o movimento social mais antigo, mais duradouro", disse a socióloga em entrevista à agência Lusa a propósito do impacto do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP) no sindicalismo, em geral, e na educação, em particular.

Criado em 2018, como organização sindical de professores, o STOP abrange hoje docentes e não docentes, sob o lema "Juntos Somos Mais Fortes" e conta com o apoio de movimentos espontâneos em vários pontos do país, onde o descontentamento ganha expressão.

"Normalmente, os períodos de crise são sempre períodos em que vêm a lume divergências, procura de outras respostas e em grande medida estas tensões entre direções sindicais e as suas bases são inevitáveis", afirmou a investigadora, indicando que parte dos dirigentes na origem do novo sindicato integraram anteriormente outras estruturas sindicais: "Aparentemente o que espoleta a criação deste sindicato tem a ver com divergências ou desacordos relativamente à concretização de ações, em relação à estratégia sindical, no sentido de atingir resultados".

Em junho de 2018, o jornal Público anunciava a criação do 23.º sindicato da educação, que se apresentava como uma estrutura farta "da luta mansinha".

Para Maria da Paz Lima, investigadora no Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do ISCTE-IUL, há que olhar também para "os elementos catalisadores" do atual processo de mobilização.

Após o período de intervenção da troika e dos cortes nos salários, segue-se um governo que ficou conhecido como "geringonça" - devido à forma como se equilibraram poderes à esquerda para permitir a formação de um executivo socialista -- que termina o mandato sem conseguir concretizar o esperado aumento dos salários na função pública, observou a investigadora, sublinhando que se resolveu "em desfavor" dos professores a questão da contagem integral do tempo de serviço.

"Estamos num período da geringonça, em que há uma grande expectativa da parte do sindicalismo, dos trabalhadores de várias áreas de melhoria mais rápida de reposição dos rendimentos, além da reversão dos cortes nominais e aí começam a notar-se diferenças relativamente à estratégia, aos ritmos neste processo", afirmou, ao comentar a intervenção das diferentes estruturas.

"Há um elemento de acumulação" do descontentamento, referiu a socióloga, acrescentando: "O STOP constitui-se num processo em que entendiam não ser eficaz o tipo de estratégia. Isso é um fenómeno interessante. É no fundo essa ideia de abrangência, de unificar num certo ponto de vista reivindicações de diferentes setores".

O STOP, considerou, apresenta uma dimensão muito associada à lógica de movimento social, reforçada pela facilidade de propagação de mensagens nas redes sociais, que o isolmento causado pela pandemia de covid-19 acentuou.

"Nos movimentos sociais importantes naquele período da austeridade e das movimentações quer em Portugal, quer em Espanha, quer na Grécia, há um grande impulso das redes sociais. Há aqui um elemento de conjugação entre uma lógica organizativa sindical e uma lógica de movimento social e de uso das redes sociais", justificou.

De acordo com a investigadora, nota-se também que há trabalho no terreno. "De outra forma não seriam capazes de organizar os comités de greve que têm organizado", reconheceu.

Maria da Paz Lima constatou que os próprios dirigentes do STOP ficaram surpreendidos com a adesão às iniciativas que têm promovido. "Poderia fazer uma equivalência com a surpresa da primeira manifestação da geração à rasca. Também foi uma surpresa (...) Isto acontece em situações de crise, de grande descontentamento e quando há organizações, associações, iniciativas cidadãs, que têm alguma capacidade de formular reivindicações e dar-lhes visibilidade, num contexto de grande descontentamento", sustentou.

Porém, considerou que este é dos setores em que o movimento sindical está mais bem organizado. "E não há notícia de quebra de sindicalização, antes pelo contrário", referiu.

Na análise da investigadora, não há uma reação a um alegado "declínio da sindicalização" ou dos sindicatos: "Não me parece que haja fatores de erosão. Não faltam ações no que é a organização clássica. A diferença está no registo, na persistência".

"O que vai acontecer a seguir? Não podemos fazer prognósticos! Agora, é interessante que a própria Fenprof - que não tinha previsto imediatamente um movimento de greve - acaba por propor uma greve que vai ter lugar, mobilizações e manifestações também e que há aqui uma convergência de reivindicações. Penso que desse ponto de vista, a relação entre o STOP e a Fenprof, com tensões, algumas provavelmente críticas, não deixa de permitir alguma complementaridade, porque no fundo estamos a falar de um grande movimento dos professores, que de alguma maneira é orientado, mas que ultrapassa o próprio STOP e a própria Fenprof", defendeu Maria da Paz Campos Lima.

"Penso que estamos numa etapa muito importante. Havendo um governo do Partido Socialista, com maioria absoluta, não há nenhuma razão impeditiva para que possa responder, com segurança, a este problema e com o apoio dos partidos à esquerda na Assembleia da República, que se têm pronunciado a favor destas reivindicações", preconizou a socióloga, para quem o que está em causa não é questão corporativa, mas a qualidade do sistema público de ensino.