Gosto muito de ti!
Dizermos o que sentimos não faz de nós seres inferiores com a vantagem de ser das poucas coisas hoje em dia que não paga imposto
Houve dois filmes que me marcaram especialmente na minha infância, pelas frases marcantes que me ficaram para sempre, como bússola para o meu entendimento sobre a vida, os objectivos, as motivações e os sonhos que perseguimos e construímos. Um foi “Fievel - Um conto americano”, onde um pequeno ratinho que se perde dos pais e embarca numa grande aventura me ensinou o “nunca digas nunca”, como forma de nunca desistirmos de procurar a nossa felicidade. O outro, cujo nome já não me recordo (a idade tem destas coisas), era sobre um jovem que perdeu uma pessoa muito importante na sua vida, de forma repentina e pouco expectável e viveu amargurado, com o facto de nunca lhe ter dito o quanto gostava dela. Tentei até aos dias de hoje, levar estes dois ensinamentos como parte indissociável da minha construção pessoal e habituei-me, por isso, desde cedo, a dizer às pessoas que são especiais para mim que gosto muito delas e a isso acrescentei a palavra “obrigado” e “peço desculpa”. Embora seja um pouco orgulhoso, como qualquer Leão, nunca fui forreta com essa terminologia que se fosse gasta em vezes, já teria saído do meu léxico, esgotada há muito, por excesso de uso.
Quem me rodeia sabe que é assim, como acho que uma boa conversa e o assumir das responsabilidades resolve quase tudo. Sempre tive a plena consciência que ninguém vive de palavras e que elas valem muito pouco se não forem consubstanciadas por atitudes que lhes dêem corpo. A frase “faz o que eu digo, não faças o que eu faço” é disso exemplo. Às vezes até parece estranho e de certa forma premeditado o facto de sabermos a teoria e muitas vezes não a pormos em prática. Mas se as palavras bonitas são apenas parte de um todo que se completa com o que fazemos através delas, também não é menos verdade que elas são muitas vezes fundamentais para que se desenvolvam laços se estimulem mentes e se perfumem corações. Quando são empregadas na altura certa, quando são genuínas e saem cá de dentro, quando do outro lado são sentidas inteiras ao ponto de mudar o dia de alguém ou de fazer a diferença na confiança ou na forma como nos posicionamos em relação a determinadas matérias.
Quantas vezes é que ficámos impacientemente à espera que alguém dissesse algo para nos acalmar e ficar tudo bem? Não desejámos ter a capacidade e a frontalidade de dizer isto ou aquilo que estávamos a sentir mas não tivemos coragem para o fazer? E quantas vezes não ficaram palavras por dizer que podiam ter mudado tudo? Houve um tempo em que se pensava (sobretudo os homens), que dizer alguma coisa mais sentimental, mais profunda, nos diminuía ou nos tornava menos másculos. Ainda há poucos dias na última temporada da série “The Crown” sobre a Coroa britânica, a irmã da rainha lhe disse ao telefone que gostava muito dela, ao que a Rainha lhe replicou de igual forma para rapidamente a primeira acrescentar “isto é tão classe média, vamos voltar ao nosso registo habitual”. Como se alguns não tivessem o direito de sentir ou como se fosse uma coisa menor demonstrar afeto, dizermos o que vai cá dentro, o que nos move e nos aproxima.
As palavras normalmente definem-nos em três direções. Acerca do que sentimos ou somos, sobre o que gostávamos de ser e fazer e não somos ou não fazemos, sobre o que queremos ser ou fazer e passamos para a escrita de forma a nos educarmos ou a nos prendermos ao que projectamos, numa espécie de voz interior. Eu acho que dizermos o que sentimos não faz de nós seres inferiores com a vantagem de ser das poucas coisas hoje em dia que não paga imposto. Elas são o reflexo da nossa inteligência emocional, da nossa capacidade de entender o mundo e o que nos rodeia e de nos relacionarmos muitas vezes servindo de ponto de partida para o que vem a seguir. É quase sempre o começo de tudo. Devemos usá-las como o nosso próprio livro de instruções. Nunca me fiz curto nelas e tento sempre não deixar de as dizer embora com o decorrer do tempo também percebamos que dessa forma nos expomos mais, ficamos mais próximos de sofrer desilusões, de acharmos que foram gastas com quem não as merecia.
Num tempo em que estamos sempre mais próximos de criticar do que de elogiar, de dizer mal do que bem, de julgar do que tentar entender, de ficarmos calados ao invés de gritar o que nos vai na alma, o meu desejo escrito nesta crónica para 2023 é que saibamos usar (se o sentirmos, claro) mais um “gosto muito de ti” para quem o merece. De não termos medo da profundidade nem fugirmos do que aparente e racionalmente nos parece poder fragilizar. Não deixarmos para amanhã o que podemos dizer hoje porque há oportunidades que não se repetem e o tempo infelizmente não se duplica. Se não sabemos o que nos espera, se aprendemos da pior forma que tudo muda num instante, o melhor mesmo é não deixarmos nada por dizer sob pena, como no filme, de ficarem para sempre parte da nossa angústia e do nosso peso.
Quanto ao ano que agora começa, tenho a dizer-te que gosto muito de ti, espero que não me desiludas e gostes muito de mim também. Que este ano se transforme numa viagem bonita para todos os que me lêem! Feliz 2023!